Ignorar gente chata é um caminho sem volta




Marcel Camargo

Tempos difíceis, tempos de muita luta e superação. Essa pandemia nos forçou a enxergar, a abrir os olhos, a nos conscientizarmos sobre muita coisa, sobre muita gente. Ficou escancarado, à nossa frente, quem é quem, sem filtro. Percebemos o que e quem importa realmente em nossas vidas. Vimos as prioridades de cada um, a capacidade de se colocar no lugar do outro ou não.

O medo nos acompanhou, fazendo parte constante de nossos dias. A morte estampava as mídias. Todos tomavam partido, gritavam posicionamentos, atacavam quem pensava diferente. Pessoas se afastaram, famílias se desencontraram, a configuração dos relacionamentos teve que se adequar aos novos tempos. Fomos obrigados a buscar uma forma de não enlouquecer, de não sucumbir às incertezas, às escuridões, a tudo o que estava ficando explícito, quando antes ninguém notava.

E, nesse contexto de incertezas crescentes, cada um se virou, à sua própria maneira, para que conseguisse sobreviver física e emocionalmente. A vida é imprevisível, sempre foi, mas ela se tornou ainda mais inesperada e caótica – ou, ao menos, essas características não puderam mais ser ignoradas. A gente teve que perceber que existem coisas mais importantes do que outras. Existem pessoas mais importantes do que outras. Existem pessoas sem nenhuma importância em nossas vidas.

E acabamos tendo que entender quais são as nossas prioridades, o que devemos levar em conta, quem merece nossa atenção. Ficou muito claro que costumamos perder preciosos tempos com o que nada acrescenta, enriquece, soma. E ignorar foi a estratégia de muitos. Ignorar gente chata, comentários maldosos, acontecimentos irrelevantes. Ignorar o que é perda de tempo, de saúde, de vida. Prestamos mais atenção no que realmente importa.

Por isso, ignorar é o caminho. A gente precisa ficar forte, a gente precisa ter um pouco de paz aqui dentro. Ignorar é um caminho sem volta. A pessoa se esforça ao máximo para nos atingir, mas mantemos a cara de paisagem e a plenitude. Podemos até ferver por dentro, mas a pessoa jamais saberá. Merecemos ter paz.




Desinfetar a tristeza




“Dois monges que voltavam ao Templo, encontraram em um rio uma mulher chorando pois ela não conseguia cruzá-lo, porque o rio havia crescido e a corrente era forte.

O mais velho dos monges, sem parar, a pegou nos braços e carregou-a para a outra margem do rio. No terceiro dia de viagem, o jovem monge, sem poder mais se conter, exclamou: “Como você pôde fazer isso, pegar uma mulher nos seus braços? Isso quebra nossas regras.

O monge respondeu com um sorriso: “É possível que eu tenha errado, mas só cruzei uma mulher que precisava de ajuda e a deixei do outro lado do rio”.

“Mas o que acontece com você, já que três dias se passaram desde o episódio e você ainda a carrega esse pensamentos nas costas?” Eu já a deixei do outro lado do rio.   (Fábula)

 

Quando um evento importante afeta nossos valores mais essenciais, tendemos a reagir com espanto.

Às vezes, uma infinidade de ações cotidianas (em casa, trabalho, amizade, família) quebram nossos afetos, nossas emoções e até nossa dignidade de forma profunda, e paralisados ou letárgicos, desmoronados ou insensíveis, encapsulamos nossos corações para não suportar mais dor. Quando consideramos que somos os destinatários de um desastre, tudo se desmorona, nossos medos aumentam, as dúvidas se acumulam e a esperança diminui.

Esquecemos as crenças e aceitamos um caos dentro de nós que nos convida a perder a confiança, e sem confiança… pouco resta. A hecatombe começa e pensamos que as pessoas ao nosso redor não são mais as mesmas. A princípio, tentamos deixar o tempo colocar nossa confusão no lugar certo, mas isso é um erro. Não há escolha a não ser começar a limpar, colocar a casa em ordem e varrer. Sacuda a poeira, livre-se do inútil mesmo que seja doloroso, fuja do inútil e não armazene mais a deterioração. Tente encontrar novos caminhos limpos e brilhantes que o afastem do caos.

Resumindo: desinfete sua tristeza. Outra alternativa é continuar em nosso caminho particular, como se nada tivesse acontecido, sem diálogo ou reflexão. Mas nossas emoções e pensamentos reprimidos irão acumular raiva e ressentimento até que outro desastre seja provocado externa ou internamente.

É absolutamente necessário salvar os móveis, recolher os detritos, fazer uma catarse de limpeza geral e nos esterilizarmos internamente. Adquirir uma dimensão saudável do nosso sofrimento e redecorar com empenho e respeito a nossa consciência e a consciência de quem nos causou desastres. Só ordenando o caos, os medos serão esquecidos, a incerteza e a desconfiança desaparecerão e as memórias não serão apagadas, mas pelo menos elas deixarão de nos machucar.