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Diário do Bolso . . . 10/06/2021





Diário, inventei um verbo. O verbo feiquear.

Eu feiqueio, tu feiqueias, ele feiqueia. Nós feiqueiamos, vós feiqueiais, eles feiqueiam. Ou melhor, eu não feiqueio. 

Só repasso informações não totalmente verídicas, eventualmente inventadas por meus apoiadores.

Um bom exemplo de feiquear foi a desse rapaz que é auditor do TCU, o Alexandre Marques. Ele inventou lá um documento dizendo que metade das mortes atribuídas à covid era pura balela.
...

Diário, para evitar que descubram nossas feiqueadas, pedimos 10 anos de sigilo para o contrato com a Pfizer. Não quero que saibam que pagamos um bilhão a mais do que se tivéssemos aceitado a primeira oferta. 

Ou seja, atrasamos a vacinação, pioramos a recessão, morreu um monte de gente a mais e ainda pagamos o dobro do preço.

Falando em feiqueiar, ontem em Terezópolis de Goiás, falei que a vacina contra a covid ainda está em fase experimental e que a cloroquina não mata ninguém.

Sei que é tudo feique, porque a vacina funciona no mundo todo e a cloroquina não é usada em lugar nenhum. Mas não posso admitir que fiz burrada nesse negócio de covid. 

Tenho que manter a feiqueagem até o fim. Eu sou o Mito, pô!




Ministério paralelo : VÍDEOS mostram médicos orientando Bolsonaro contra vacinas em reunião no Planalto




Davi Nogueira

Uma série de vídeos divulgados nesta sexta-feira (4) pelo Metrópoles comprova que médicos desaconselharam o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), numa reunião no Palácio do Planalto em 8 de setembro, a comprar a vacina.

Três semanas antes, em 14 de agosto, a Pfizer havia enviado ao governo sua primeira oferta de imunizantes contra a covid-19.

Os vídeos reforçam a suspeita de que havia um “ministério paralelo” da Saúde orientando Bolsonaro clandestinamente sobre ações de combate à pandemia.

O biólogo Paolo Zanotto, que foi repreendido publicamente pela USP no ano passado por publicações defendendo a cloroquina, participou da reunião ao lado do presidente.

Ele fez um discurso em que sugeria a criação de um “shadow cabinet”, um grupo oculto para discutir o “tratamento precoce”, e aconselhava o presidente a tomar “extremo cuidado” com as vacinas.

“Com todo respeito, eu acho que a gente tem que ter vacina, ou talvez não”, afirma Zanotto, enquanto uma médica acena com a cabeça de forma negativa.

A oncologista Nise Yamaguchi, acusada de alterar a bula da hidroxicloroquina para incluir pacientes com covid-19, também aparece nas filmagens agradecendo a Bolsonaro pelo apoio.

Osmar Terra, ex-ministro de Bolsonaro e um dos maiores negacionistas da pandemia, foi o principal organizador da reunião, sendo chamado de “padrinho” por um dos médicos.

Em um trecho do vídeo, ele orienta o presidente a ignorar os efeitos nocivos da cloroquina ao coração.

Veja abaixo:












Segunda dose de vacinas contra a covid-19 é essencial. Entenda





O Ministério da Saúde divulgou nesta semana números de pessoas que estão com a segunda dose das vacinas contra covid-19 atrasada no Brasil. De acordo com o ministro, Marcelo Queiroga, são 1,5 milhões de pessoas que não compareceram no prazo para o reforço da imunização. As vacinas disponíveis no Brasil, a CoronaVac e a AstraZeneca, exigem duas doses. A falha pode implicar em problemas individuais e coletivos.

A eficácia das vacinas é comprometida caso não sejam administradas a segunda dose. A da CoronaVac é indicada de 21 a 28 dias após a primeira; e a AstraZeneca após 12 semanas. Além da ausência de imunidade para o indivíduo, existem riscos que podem comprometer a vacinação de todos. “O abandono da segunda dose é receita para criar mais variantes. Mas desta vez, resistentes às vacinas”, alerta o biólogo e divulgador científico Atila Iamarino.

“Quem toma só uma dose pode desenvolver imunidade parcial. O que não seria suficiente para proteger a pessoa do vírus. Mas pode ser suficiente para selecionar linhagens virais que escapam dessa imunidade”, completa o cientista. Então, a indicação para aqueles que estão com a vacina em atraso é para que compareça o mais rápido possível em uma Unidade Básica de Saúde para a finalização da imunização.

Para quem atrasou

A neurocientista, divulgadora científica e uma das coordenadoras da Rede Análise Covid-19, Mellanie Fontes-Dutra, explica que “somente com o regime completo e acelerando a vacinação para toda a população indicada é que todos nos beneficiaremos da proteção”, e reafirma que “se você acabou perdendo o prazo da segunda dose, busque o posto de vacinação para tomá-la o mais breve possível”.

Embora a orientação seja essa, fica o alerta dos cientistas para que não atrase a segunda dose. Mellanie explica que ” não temos dados de imunogenicidade (da CoronaVac) e eficácia pra isso (intervalos maiores). Temos pra 14 dias e 21-28 dias”.

O diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, também afirmou em entrevista concedida à GloboNews no início do mês que, mesmo em atraso, a indicação é para tomar o mais rápido possível. Dimas afirma que existem indicadores que apontam para a eficácia, mesmo com período maior entre as doses. “Se for em 30 dias, em 45, não importa. Não há prejuízo. O que não pode é não ter a segunda dose”, disse o responsável pelo instituto que produz e elabora estudos sobre a CoronaVac em São Paulo.

Sem campanha

De acordo com o Ministério da Saúde, São Paulo é o estado com o maior número de vacinas em atraso: 343.925. Entretanto, de acordo com dados da plataforma VaciVida, do governo do estado, este número é menor. A plataforma de controle utilizada por profissionais de Saúde de todos os municípios paulistas indica ausência de 190 mil pessoas para a segunda dose.

A diferença nos dados, pode ter algumas explicações. A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em boletim extraordinário divulgado nesta quarta-feira, afirma que “é possível que (a diferença entre vacinados de primeira e segunda dose) esteja refletindo estratégias diferenciadas de aceleração da imunização da primeira dose, ou ainda conter diferenças relativas à agilidade do registro”. Até o momento, apenas 30% dos vacinados tomou as duas doses, sendo que 14% dos que tomaram a primeira estão em atraso.

Especialistas também apontam para a falta de campanhas de conscientização e coordenação nacional para a vacinação. “Eu acho bem desesperador saber que meio milhão de pessoas não foi tomar a segunda dose da vacina no Brasil, ou seja, 14% dos que tomaram a primeira. Precisava ter uma campanha forte pra isso. Na TV mesmo. Bater forte na tecla”, afirma a editora de ciências do Jornal da USP, Luiza Caires.

Ela ainda argumenta que “agentes de saúde irem atrás também, principalmente na periferia. Não sei se teriam condições pra tanta gente. Mas algo tem que ser feito”.

Responsabilidade

De acordo com a coordenadora do Plano Estadual de Imunização (PEI) contra a covid-19 e da Coordenadoria de Controle de Doenças de São Paulo, Regiane de Paula, os municípios são responsáveis pela busca ativa dos atrasados para que regularizem a vacinação. “Além do sistema de controle que temos no estado e nos municípios pela VaciVida, o município é responsável pela busca dos faltosos”, disse à RBA.

Regiane afirma que a segunda dose pode ser aplicada em qualquer UBS, seja a que aplicou a primeira, ou a mais próxima de sua residência. Além disso, a coordenadora explica que todos os vacinados com a primeira dose recebem uma mensagem do governo dois dias antes da aplicação da segunda. “Neste momento, mandamos um SMS para toda a população dois dias antes para que compareça à UBS de sua escolha, ou mais próxima de sua casa, para a segunda dose.”








Estou todo dolorido. Essa noite eu levei uma surra de um ser misterioso




Diário, estou todo dolorido. Não sei se foi pesadelo, encosto ou assombração, mas essa noite eu levei uma surra de um ser misterioso. Foi assim: eu estava dormindo no sofá da sala, porque fiquei jogando “Plague” até tarde (nesse jogo a gente tem que espalhar um vírus e destruir toda a humanidade). Lá pelas tantas, levo um tapão na cabeça e acordo. Pensei que era a Michelle, mas não. Era um cara com cabelo branco e bigode preto.

Não perdi tempo e já fui atirando nele.

– Não adianta disparar com o controle do videogame. Olhe bem pra mim. Não está me reconhecendo?

– Peraí… Já sei! É o cara da nota de cinquenta cruzados! Não fala, não fala, vou lembrar seu nome. É Einstein? Samaritano?

– É Cruz! Oswaldo Cruz!

– Arrá!, eu sabia que era o nome de um hospital. O que você veio fazer aqui?

– Vim tentar enfiar na sua cabeça que você precisa vacinar todo mundo.

– E vou comprar vacina onde? Só se for na casa da sua mãe!

– Mais respeito, vagabundo! – e aí ele me deu uma baita bofetada. Se eu fosse um desenho, minha cabeça tinha dado um monte de voltas. – Deixa de ser mentiroso! Você não comprou mais vacina porque não quis. A Pfizer te ofereceu 70 milhões de vacinas em agosto e você fez de conta que não escutou. Depois o consórcio da OMS ofereceu vacinas pra cobrir 50% da população. Mas você quis o mínimo: 10%.

– E daí? Mesmo assim o Brasil é o país que mais vacina, pô!

– Outra mentira! Estamos em 6º lugar. E, na média por habitante, em 47º. Mas esse número ia ser bem pior se dependesse de você, porque três em cada quatro vacinas são da Coronavac.

– Calma, pressa pra quê?

– Pra não morrer gente, seu chupador de lata de leite condensado!

– Olha, eu não matei ninguém! Numa pandemia cada um tem que cuidar de si mesmo.

– É exatamente o contrário. Numa pandemia todo mundo é responsável por todo mundo!

– Você é comunista?

– Não. Sanitarista! E em 1904 eu enfrentei um problema parecido. Boa parte do povo se revoltou contra a vacina.

– Por que o povo não quis tomar a vacina? – eu perguntei.

– Espalharam o boato de que quem fosse vacinado ficava com cara de vaca.

– Kkk! Ótima feiquenius! Mas prefiro a do jacaré.

– O quebra-quebra durou uma semana. Bondes foram queimados, mais de 700 lampiões a gás foram quebrados, barricadas foram levantadas, houve assaltos, saques e tiroteios.

– Dessa balbúrdia eu gosto!

– O senador Lauro Sodré, que era capitão do exército e antivacina, tentou até dar um golpe. Ele convenceu os cadetes da Escola Militar da Praia Vermelha a marcharem até o palácio do governo para depor o presidente Rodrigues Alves. Mas uma tropa legalista apareceu no meio do caminho. Os dois grupos trocaram tiros na rua da Passagem, que estava às escuras por causa dos lampiões quebrados. O Lauro Sodré fugiu e as duas turmas debandaram.

– Se os cadetes, o exército e a milícia estivessem do mesmo lado, tinha dado certo, pô!

– Se um golpe dá certo é porque o país deu errado. No final das contas, 945 pessoas foram presas, 30 morreram, houve 110 feridos e 461 deportados para o estado do Acre.

– E o Lauro?

– Foi anistiado. É sempre assim…

– Suspenderam a vacinagem?

– Sim. Mas em 1908 houve uma grande epidemia de varíola e o povo correu pra se vacinar. O pior é que já se passaram mais de cem anos e ainda tem gente contra a vacinação.

– Eu sou um desses. Não me vacinar é meu direito, talkei?

– Seu direito é levar uma surra, seu ridículo! – ele disse, jogando uma lata de leite condensado na minha cabeça.

Passei a mão na testa para limpar um pouco. Depois, enquanto chupava os dedos, falei: – Posso ser ridículo, mas não sou mariquinha. Tem que enfrentar o vírus, pô!

– Enfrentar o vírus é ficar em casa e usar máscara, mequetrefe!

– Não vou tolerar ser xingado por uma nota de cinquenta cruzados. Você não vale nada!

Aí o Oswaldo me deu um joelhaço no meio das pernas e eu caí no chão. Quase desmaiei. Mas deu pra ver ele desaparecendo e falando assim:

– Onde está, afinal, a civilização? Será que ela se restringia a uma delgada camada, revestindo precariamente a lava incandescente da barbárie?


PS: Pô, Diário, tapa na cara mesmo foi a volta do Lula. Ainda nem sei o que pensar. Será que é bom, porque aí polariza a coisa de vez? Será que é ruim, porque o Moro pode escapar de ser considerado imparcial e virar vice de alguém, tipo o Mandetta ou o Huck, e aí vai ter uma chapa antiLula e antieu? Será que é bom, porque aí o pessoal para de falar nas mortes da covid? Será que é ruim, porque segundo uma pesquisa aí, o Lula é o único cara que pode me vencer? Ah, Diário, o que será que será…?

PPS: Ilustra de Ivo Minkovicius.




Toda vida importa




"Só teremos chances efetivas de sairmos da situação em que nos encontramos com a formalização de um pacto em torno da vacinação igualitária, que atinja, indistintamente, e de forma gratuita, a todas as pessoas", escreve o professor de Direito Trabalhista da USP Jorge Luiz Souto Maior

Por Jorge Luiz Souto Maior 

(Publicado no site A Terra é Redonda)

“Quem perdeu o trem da história por querer / Saiu do juízo sem saber / Foi mais um covarde a se esconder / Diante de um novo mundo” 
(Canção do Novo Mundo – Beto Guedes e Ronaldo Bastos)

Em meio a tantas desgraças trazidas (e acrescidas aos graves problemas sociais, econômicos e humanos que já vivenciávamos) pela pandemia nos é dada a rara oportunidade de vislumbrar a necessidade urgente de conceber um novo mundo pautado por valores humanos que abandonem a lógica de relações sociais identificadas com a produção, a circulação e o consumo de mercadorias, ou, dito de outro modo, de superação de uma sociedade de seres humanos que vivem para adquirir coisas que não precisam, para impressionar pessoas com as quais não se preocupam.

Diante das características de disseminação do novo coronavírus e dos efeitos devastadores da pandemia, se apresentam como inquestionáveis: a centralidade do trabalho; a condição humana de quem, com a venda da força de trabalho, produz a riqueza social; a relevância da ciência; a compreensão de que toda vida importa; a essencialidade da solidariedade; a importância do Estado Social como gestor responsável da política pública e promotor das instâncias regulatórias e de fiscalização.

Essa percepção nos impõe, como consequência ética inevitável, o desafio de buscar a concretização de um modelo de sociedade que seja compatível com a preservação e a reprodução de todos esses aprendizados.

A construção desse novo mundo só pode começar com o reconhecimento básico de que toda solução para os problemas identificados, notadamente no que diz respeito à defesa da vida, tem sua legitimidade vinculada ao pressuposto da igualdade, à qual se integra, certamente, a diferenciação dos desiguais, na medida em que, em razão das suas vulnerabilidades, se desigualam, o que justifica, inclusive, a fixação de prioridades objetivamente definidas.

No que se refere à vacinação, essencial para que se supere este momento, essa diferenciação, objetivamente definida, deve estar integrada a um plano social organizado e gerido pelo Estado e não em conformidade com os critérios subjetivos de entidades privadas, indivíduos e grupos sociais.

Dito de modo mais claro, a vacinação deve ser publicamente organizada e distribuída de forma gratuita e republicana, sempre sob o pressuposto da igualdade acima delineado.

O postulado teórico básico para o devido enfrentamento da tragédia que estamos vivenciando é a compreensão de que só sairemos dessa situação juntos, por meio de visualização coletiva do problema e dos instrumentos de sua solução.

A grande questão é que desde o início o governo federal, que seria o principal responsável pelo desenvolvimento da política pública de saúde, se postou negando a ocorrência da gravidade da pandemia, estimulando as práticas individuais contrárias ao interesse coletivo.

Então, quando deveriam florescer a solidariedade, o altruísmo e o compromisso com os projetos públicos e as ações coletivas para o enfrentamento da situação, o que se verificou, com o incentivo vindo de quem deveria estimular e até impor práticas diversas, foi a proliferação de comportamentos egoístas que não só agravaram a pandemia, no aspecto da disseminação da doença, como, agora, dificultam a eficiência do processo de vacinação, por meio da utilização de diversos subterfúgios para tentar “furar a fila” da vacinação.

O grande problema desses comportamentos é que eles são impeditivos da implementação das diversas e necessárias transformações que se precisam concretizar em nossa organização social, vez que isso requer, como dito, novos seres humanos, que expressam e praticam valores desvinculados da lógica do convívio reificado.

No entanto, quando, em uma pandemia, se verificam, de forma ampla e não apenas isolada, a realização de ações que desprezam as medidas coletivas que seriam necessárias para a preservação de vidas, o que se deve concluir é que a postura negacionista do governo não apenas promoveu a disseminação da doença, provocando a morte de milhares de pessoas, como também constituiu um vírus corrosivo da difusão da solidariedade e da admissão da relevância da ação coletiva.

E, no presente momento, em que a atitude negacionista repercute na ausência de um plano efetivo de vacinação e na completa falta de perspectivas reais de se obterem vacinas suficientes para a imunização de toda a população, o que se produz é uma espécie de complementação do “projeto” destruidor do futuro.

É isso mesmo! A irresponsabilidade, o desprezo consciente do conhecimento e a vaidade, integrados a um “plano” de governo, estão nos negando um futuro.

Para mudar o rumo dessa história, primeiro é preciso reconhecer que esse processo está em curso e que é extremamente grave, estando, inclusive, em estágio bastante avançado, uma vez que foi acelerado pela pandemia. E, segundo, é importante não se alinhar a tal processo, sendo que, para tanto, é essencial que cada um se perceba no contexto social, isto porque as estruturas engendradas são capazes de moldar as pessoas, transformando-as em seres humanos iguais àqueles que desencadearam o processo destrutivo.

Se todos e todas, ou a grande maioria das pessoas, reproduzirem os mesmos raciocínios fugidios da realidade, para justificarem práticas egoístas, não solidárias e descompromissadas com o todo, sequer restarão argumentos válidos para se combaterem os negacionismos e a desumanização.

Cabe perceber que a ausência de vacinas pode se constituir uma grande cilada (ainda que não propositalmente planificada), para que, diante do desespero e do risco de vida, por meio de justificativas que igualmente desprezam o conhecimento, negam a solidariedade e estimulam o individualismo e o egoísmo, os comportamentos egoístas se generalizem mesmo entre os adversários do negacionismo governamental, equiparando uns aos outros e eliminando, com isso, a legitimidade da crítica e, de forma ainda mais grave, as possibilidades concretas de uma reação, também porque o efeito da difusão dessa espécie de “egoísmo esclarecido” pode nos levar, muito rapidamente, ao colapso da humanidade.

Está cada vez mais claro que uma responsabilização – seguida do devido afastamento – dos agentes políticos que contribuíram para o genocídio no país é o passo fundamental e urgente para iniciar esse processo de edificação de uma sociedade solidária baseada no respeito à vida de todos e todas e na efetivação de seus direitos como cidadãos e cidadãs.

No entanto, deve estar muito claro que isso não basta.

É crucial que todos e todas que se entendem comprometidos com a agenda da necessária construção de outra sociedade, baseada em diversos e renovados laços sociais, se movam na direção contrária a quaisquer iniciativas que, mesmo sob o pretexto de contribuírem para a imunização geral, desprezem o pressuposto da urgente construção de um efetivo e eficaz plano público de vacinação.

Só teremos chances efetivas de sairmos da situação em que nos encontramos com a formalização de um pacto em torno da vacinação igualitária, que atinja, indistintamente, e de forma gratuita, a todas as pessoas.

E que se esclareça! Não falo apenas dos atos individuais e até institucionais que buscam meios (que chegam a se concretizar) para “furar a fila” da vacinação pública, que além de ofensivos e grotescos, são, antes de tudo, criminosos.

Falo, também, e com maior ênfase, das iniciativas voltadas a uma vacinação privada, com oferecimento livre de vacinas no mercado ou tendentes à vacinação de grupos específicos (tais como magistrados, advogados, militares, trabalhadores de empresas determinadas etc.) não integrados à racional e razoável definição de atividades essenciais, e que se tentam justificar pela ausência de uma política estatal a respeito.

Essas iniciativas não resolvem o problema da imunização e, pior, trazem consigo todo o conjunto de valores obstativos das transformações sociais que precisamos implementar, conforme acima explanado.

O que nos compete, além de exigir a punição dos responsáveis e antes de propor qualquer outra iniciativa, por mais relevante que possa parecer, é cobrar e estimular, inclusive financeiramente – para quem tiver condições de o fazer – a elaboração e a execução de um plano público de vacinação (desprovido de interesse eleitoral e de vaidades pessoais), que pressupõe, inclusive, a produção local das vacinas (com quebra de patentes, sendo isto necessário[i]) e no qual se preveja uma vacinação igualitária e gratuita.

Todo o resto, sobretudo no contexto da ausência de um plano público de vacinação, com o devido respeito (pressupondo aqui a boa-fé de tantos que defendem as iniciativas de vacinação privada), pode ser entendido, conforme se diz, como “farinha do mesmo”, reprodutora da preocupação egoísta traduzida no conhecimento popular na expressão “farinha pouca, meu pirão primeiro”.

Fato é que não será com a aceitação e estímulo da luta de todos contra todos, o reforço das desigualdades de oportunidades e a naturalização dos privilégios que se conseguirá a necessária repactuação social. E cada um de nós tem grande parcela de responsabilidade nesta história.

Como fruto de uma dinâmica, estabelecida de forma consciente ou inconsciente, estamos sendo postos à prova. A nossa capacidade de sermos humanos realmente solidários e dispostos a vivenciar uma realidade na qual a vida de todos e todas importa com exatamente a mesma intensidade está sendo testada.

Já perdemos muitas chances para essa redenção e se a perdemos novamente, talvez não tenhamos outra. Isto, é certo, pode valer, ao menos, para muitos de nós !

Estamos, mais do que nunca, diante da definição do que vamos deixar para as gerações futuras: solo plantado ou as ruínas de um caos. Aliás, tudo isso foi muito mais bem dito por Beto Guedes e Márcio Borges:

“Esperança viva
Que o sangue amansa
Vem lá do espaço aberto
E faz do nosso braço
Um abrigo
Que possa guardar
A vitória do sentimento claro
Vencendo todo medo
Mãos dadas pela rua
Num destino de luz e amor
Vem agora
Quase não há mais tempo
Vem com teu passo firme
E rosto de criança
A maldade já vimos demais
Olha
Sempre poderemos viver em paz
Em tempo
Tanto a fazer pelo nosso bem
Iremos passar
Mas não podemos nunca esquecer
De mais alguém
Que vem
Simples inocentes a nos julgar
Perdidos
As iluminadas crianças
Herdeiras do chão

​Solo plantado
Não as ruínas de um caos
Diamantes e cristais
Não valem tal poder
Contos de luar
Ou a história dos homens
Lua vaga vem brincar
E manda teus sinais
Que será de nós
Se estivermos cansados
Da verdade
Do amor
Esperança viva
Que a mão alcança
Vem com teu passo firme
E rosto de criança
A maldade já vimos demais”
(“Contos da lua vaga”)


   Jorge Luiz Souto Maior

Professor de direito trabalhista na Faculdade de Direito da USP. Autor, entre outros livros, de Dano Moral nas Relações de Emprego







Canção do Novo Mundo

Quem sonhou só vale se já sonhou demais
Vertente de muitas gerações
Gravado em nosso corações
Um nome se escreve fundo
As canções em nossa memória vão ficar
Profundas raízes vão crescer
A luz das pessoas me faz crer
E eu sinto que vamos juntos
Oh, nem o tempo amigo
Nem a força bruta pode um sonho apagar
Quem perdeu o trem da história por querer
Saiu do juízo sem saber
Foi mais um covarde a se esconder
Diante de um novo mundo
Quem souber dizer a exata explicação
Me diz como pode acontecer
Um simples canalha mata um rei
Em menos de um segundo
Oh, minha estrela amiga
Por que você não fez a bala parar?
Oh, nem o tempo amigo
Nem a força bruta pode um sonho apagar
Quem perdeu o trem da história por querer
Saiu do juízo sem saber
Foi mais um covarde a se esconder
Diante de um novo mundo

Natalia Pasternak, a luta de uma cientista contra a desinformação e fake news sobre vacinas e covid-19





Natalia Pasternak é formada em Ciências Biológicas pelo Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP), PhD com pós-doutorado em Microbiologia, na área de Genética Molecular de Bactérias pelo Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP).

Apontada “Brasileira do Ano” pela revista Isto É na categoria Ciência e “Personalidade do Ano” do Brasil pelo Grupo de Diários América, Natalia Pasternak também ganhou o Ockham Award de Ativismo Cético e se tornou a primeira brasileira a integrar o Comitê para Investigação Cética.

A luta contra a desinformação durante a pandemia de COVID-19 rendeu à presidente do Instituto Questão de Ciência (IQC), Natalia Pasternak, uma série de reconhecimentos este ano. Presença constante na mídia brasileira e internacional, Natalia esteve à frente de um esforço dos profissionais e colabores do IQC, e de boa parte da comunidade científica em geral, para esclarecer a população sobre os perigos de tratamentos não comprovados contra a doença, a necessidade de seguir as recomendações e medidas para conter sua disseminação e para cobrar das autoridades ações e decisões condizentes com a gravidade da crise sanitária e baseadas em evidências.

Carta à ciência e ao povo brasileiro




Uma das qualidades mais admiráveis do ser humano é a sua genialidade: a capacidade de sonhar e de transformar o sonho em realidade. Graças ao conhecimento científico acumulado ao longo de décadas, e até mesmo de séculos, o ser humano foi capaz de viajar pelo espaço. E demonstrar assim, com provas irrefutáveis, aquilo que sábios já diziam desde a Antiguidade: que a Terra é redonda.

Graças ao esforço incansável daqueles que perderam noites de sono, abriram mão do convívio com as pessoas amadas e muitas vezes arriscaram as próprias vidas, o ser humano foi capaz de desenvolver vacinas que salvaram milhões de vidas pelo mundo afora.

No Brasil de poucas décadas atrás, os mais pobres só viviam até os quarenta anos.

Sarampo, varíola, rubéola, febre amarela, poliomielite, tuberculose, meningite, difteria, coqueluche, tétano e tantas outras enfermidades que no passado matavam populações inteiras estão hoje controladas, graças à ciência e aos médicos e pesquisadores. Atacar as vacinas, ou lançar dúvidas infundadas sobre a vacinação, é trabalhar a favor da morte.

É, portanto, com muita indignação que vejo Jair Bolsonaro festejar a morte de um voluntário que participava dos testes da vacina Coronavac – cuja morte, aliás, não teve qualquer relação com a vacina.

Em primeiro lugar, porque não se comemora a morte de ninguém. Em segundo lugar, porque a suspensão dos testes, determinada pela Anvisa, além de errada, em nada favorece a luta contra uma pandemia que ameaça o Brasil e o mundo.

A comemoração de Bolsonaro é uma demonstração clara da sua decisão política: negar ao nosso povo o único instrumento capaz, juntamente com o isolamento social, de frear uma pandemia que já matou mais de 160 mil brasileiros e infectou mais de 5 milhões.

Cercado de terraplanistas, obscurantistas e negacionistas de toda ordem, Bolsonaro debocha e faz piada com o conhecimento científico acumulado pela humanidade ao longo de sua história.

Insiste em vender como droga milagrosa um medicamento, a cloroquina, que comprovadamente não tem qualquer eficácia contra o coronavírus, e cujos efeitos colaterais podem ser fatais. Ao mesmo tempo, põe em dúvida a eficácia de vacinas que consumiram meses de trabalho intenso dos maiores cientistas do planeta.

Bolsonaro faz pouco caso das boas práticas sanitárias e despreza a ciência, a tecnologia e a educação, como demonstram os cortes irresponsáveis nos investimentos públicos destes que seriam os passaportes para o nosso futuro.

Ele, ao contrário, embarca o Brasil numa máquina do tempo rumo ao passado, quando ensaia reeditar uma triste página da nossa história: a Revolta da Vacina, que, no início do século passado, deixou o Rio de Janeiro à mercê da varíola, que ameaçava ceifar milhares de vidas, sobretudo entre os mais pobres.

Bolsonaro virou motivo de anedotas ao redor do mundo. Mas seu comportamento medieval põe em perigo 200 milhões de brasileiros, ao mesmo tempo em que despreza a ciência, os cientistas, médicos, enfermeiros e demais profissionais da saúde que diariamente arriscam suas vidas tentando salvar outras vidas –e que muitas vezes acabam, eles próprios, derrubados pela pandemia.

A verdade é uma só, e não se pode fugir dela: a vacina é um direito de todos, e a vacinação é um dever do Estado.

Ao pregar o contrário, Bolsonaro coloca em risco a saúde daqueles que teria a obrigação de defender. Ignora a experiência do nosso SUS, que com vacinas e campanhas de vacinação é a mais extensa e bem sucedida em todo o mundo.

Agride instituições públicas reconhecidas internacionalmente, como a Unifesp e a USP, envolvidas no teste das vacinas, o Instituto Butantan, a Fundação Oswaldo Cruz e a Anvisa, que possuem competência técnica para dizer se uma vacina é segura e eficaz, independentemente do país em que foi produzida.

Quando fui presidente da República, um dos meus principais compromissos na área da saúde foi a vacinação dos brasileiros. Promovemos todos os anos amplas campanhas de conscientização e mobilização. Trabalhadores da saúde e agentes comunitários percorriam cidade por cidade, esquadrinhavam subúrbios e visitavam casa por casa.

O próprio Bolsa Família, um dos programas de transferência de renda mais eficientes do mundo, impunha uma condição rigorosa: só recebia o benefício quem tivesse todas as crianças da família vacinadas.

Além disso decidimos que o Brasil não podia ser apenas um importador. Era preciso conquistar nossa soberania também na produção de vacinas. Foi por isso que investimos tanto na Fundação Oswaldo Cruz, não só para que ela fosse uma das principais instituições produtoras e desenvolvedoras de vacinas do mundo, mas também para que fosse capaz de exportá-las, como ocorre no caso da vacina contra a febre amarela.

Com os investimentos que fizemos no Instituto Butantan ele se tornou um dos principais fornecedores de vacinas para o SUS. Pouco importava que o Butantan fosse uma instituição pública de São Paulo, cujo governo na época fazia oposição ao Governo Federal. Para nós, acima da política, sempre em primeiro lugar, estão os interesses do povo.

Graças a todo esse esforço, nosso Programa Nacional de Imunização é reconhecido em todo o mundo. Conquistamos certificados de erradicação de doenças como rubéola, sarampo e paralisia infantil.

Infelizmente, desde 2019, devido às atitudes irresponsáveis e negacionistas de Bolsonaro, estamos vendo nosso programa de vacinação definhar, ser destruído. Pela primeira vez neste século, o Brasil não atingiu as metas vacinais para as crianças.

Se hoje o Instituto Butantan e a Fundação Oswaldo Cruz são capazes de produzir vacinas para Covid-19, isso é graças a uma decisão política muito clara: a vacina é uma grande descoberta da ciência, é um bem público, e é obrigação dos governos torná-la disponível para toda a população.

É urgente e inadiável, portanto, uma ampla mobilização nacional de cientistas, médicos e demais profissionais de saúde. De governadores, prefeitos, agentes da vigilância sanitária, pesquisadores e técnicos da Fundação Oswaldo Cruz e do Instituto Butantan. Do Congresso Nacional, da imprensa e da sociedade como um todo.

Não podemos permitir que a vacinação se transforme em uma guerra, como deseja Bolsonaro. Uma guerra contra o povo brasileiro, que será sem dúvida a sua principal vítima.

Este desafio gigantesco não pode ficar restrito ao esforço isolado de alguns governadores. É preciso um pacto federativo de todas as instâncias, especialmente do governo federal. O SUS, o Instituto Butantã e a Fiocruz necessitam de apoio, de recursos orçamentários elevados e da total mobilização dos seus profissionais para assegurar a vacina para todos os cidadãos.

Se o Governo Bolsonaro continuar boicotando as iniciativas de médicos e pesquisadores, criando problemas para as instituições e os governos dos estados, não haverá vacina para o povo brasileiro em 2021.

Derrotar o vírus, retomar com segurança as atividades econômicas e a vida social são objetivos alcançáveis, mas isso depende de uma vacina eficaz e segura. Este é hoje o maior desafio do Brasil. E, mais uma vez, o governo Bolsonaro demonstra não estar à altura deste momento vital para o futuro da nação.

Tenho certeza de que você, assim como eu, está indignado com a imagem de um presidente da República fazendo chacota da vacina e gargalhando diante da trágica morte de um voluntário.

Sei que você também está indignado ao ver instituições públicas sérias como o SUS, a Anvisa, a Fiocruz e o Instituto Butantan serem arrastadas para a lama de um campo de batalha onde a vítima é o povo brasileiro.

Imagino sua repulsa ao desrespeito de Bolsonaro pelo trabalho sério dos nossos médicos e pesquisadores.

Estou certo de que você, assim como eu, não se conforma em ver o Brasil, que já foi reconhecido pelos seus feitos extraordinários na área da saúde pública, tornar-se um mau exemplo para o mundo. Um exemplo do que não deve ser feito por nenhum país que deseja defender seu povo e vencer a pandemia.

Não podemos continuar paralisados diante de tamanha irresponsabilidade. O direito à vacina é o direito à vida.

É obrigação do governo federal garantir a vacinação de todos aqueles que precisam ser imunizados.

É hora de assumirmos juntos esse desafio. Vacina para todos. Pela vida, pela recuperação de empregos e renda, pela dignidade do Brasil e do seu povo.

A Terra é redonda, gira em torno do sol, e não há no mundo força retrógada capaz de deter a genialidade humana. Cabe a cada brasileiro comprometido com o respeito à ciência e à saúde do nosso povo dizer “Basta!” ao obscurantismo.

Luiz Inácio Lula da Silva.

Artigo publicado originalmente na Folha de S. Paulo