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O problema não é Bolsonaro, é esse Brasil por trás dele que não sabia existir, diz Mia Couto


Por Adriana Brandão

O “Mapeador de Ausências”, último romance do moçambicano Mia Couto, acaba de ser traduzido para o francês. O livro, que chegou às livrarias da França no início de setembro, foi selecionado para o importante prêmio literário Femina. O escritor veio a Paris participar da promoção do romance, publicado na França pela editora Métailié e traduzido por Elisabeth Monteiro Rodrigues.

Mia Couto, que se define como um “poeta que tem a ousadia de entrar no universo da ficção”, é um dos maiores escritores contemporâneos em língua portuguesa. Ele é autor de mais de 30 livros, traduzidos em mais de 30 países, e muitas vezes pressentido para o Nobel de Literatura.

“O Mapeador de Ausências”, em francês “Le cartografe des absences”, foi publicado em português em 2020. O romance conta a história de um intelectual e poeta moçambicano branco que volta à sua cidade natal, Beira, em busca de seu passado. A viagem acontece sob a ameaça iminente do ciclone Idai, que destruiu a região em março de 2019.

A história, narrada no estilo poético e polifônico que caracteriza a obra de Mia Couto, navega entre duas linhas temporais, o presente às vésperas do ciclone e o começo dos anos 1970, época da guerra pela independência de Moçambique, ainda colônia portuguesa. No centro do livro está um massacre, o massacre de Inhaminga.

Nesta entrevista à RFI, Mia Couto confirma que este é o seu livro mais autobiográfico, mas que usa a própria história para contar como era esse tempo que os moçambicanos chamavam de “Guerra de Libertação Nacional” e os portugueses de “Guerra Colonial”.

Falsas ausências

As ausências de que fala o título, “são falsas ausências”. São as ausências do pai, jornalista e poeta, engajado na luta contra a colonização e perseguido pela polícia política, e de pessoas que foram invisibilizadas no passado, como a população negra, mulheres e homossexuais. O escritor resgata a história de seu país, mas não “como uma missão”. Mia Couto diz que essa história oficial “tem um exercício de esquecimento” fascinante e que escreve para “construir uma outra versão”.

Nessa e em outras de suas obras, ele aborda os paradoxos do colonialismo e nessa entrevista faz um paralelo com o Brasil, que ele considera como uma segunda pátria: “Em Moçambique, e mesmo no Brasil, a herança colonial persiste”. O escritor moçambicano tem uma relação estreita com a cultura brasileira e comenta com frequência a atual situação política no país. Ele avalia que o Brasil está diante de uma “escolha quase de civilização. O problema não é só o Bolsonaro, o problema é tudo que está por trás do Bolsonaro, esse Brasil que eu não sabia que existia e que existia com tanta dimensão”.

RFI: Mia Couto “O Mapeador de Ausências” é o seu livro mais autobiográfico?

Mia Couto: Sim. Eu não sabia, quando comecei o livro, o que ele iria ser, mas sabia que eu ia percorrer esse meu passado sempre com a intenção de que, ao trazer esse passado, eu não estaria contando a minha própria história; eu estaria usando a minha história do que foi esse tempo, que foi na minha cidade um tempo muito rico porque a ‘Guerra Colonial’, como os portugueses chamavam e nós chamávamos de ‘Guerra de Libertação Nacional’, dividia a população em dois mundos. Mas os dois mundos enlouqueceram porque para uns era o anúncio de um certo futuro, um futuro luminoso, e para outros o anúncio do fim do mundo.

Que ausências são essas que o personagem mapeia?

MC: São falsas ausências. (O livro) começou pela ideia que havia que meu pai tinha sido um pai ausente, que não deixou marca. Na verdade, essa minha visita que eu faço agora à cidade para fazer esse livro ela ressuscita a presença do meu pai, fundamental. Da mesma maneira, alguma coisa no meu passado me foi entregue como sendo invisível, como sendo não existente. Portanto, quando eu conto a história desse lado ausente do meu pai, eu conto também a história daqueles que foram tornados ausentes, no sentido de tornados invisíveis no passado.

No centro deste livro está um massacre, o massacre de Inhaminga. A história de Moçambique, este país que como você escreve em “O Mapeador de Ausências” tem memória curta, lhe inspira e está presente em praticamente todos os seus livros. Resgatar essa história é seu objetivo?

MC: Sim, mas não como um sentido de missão. Eu não me apresento com essa intenção. Essa história tem um exercício de esquecimento que me entusiasma. Me fascina como o esquecimento é uma construção ficcional, no fundo. Não é um lapso, não é uma ausência. Eu dialogo com esse aparente vazio que se criou sobre a escravatura, sobre a colonização, sobre a guerra civil depois da independência, para construir uma outra versão da história.

Você começou a escrever o romance desse regresso ao passado, à infância, antes do ciclone. Por que decidiu incorporar à catástrofe à sua narrativa?

MC: O ciclone apareceu e, de alguma maneira, ele vai perturbar e trazer um final para essa história. De fato, o livro já estava muito adiantado quando aconteceu o ciclone e como tu podes imaginar, meses antes não fazíamos ideia nenhuma do que ia acontecer. Mas nessa altura, eu sobrevoei a cidade, quando os aviões puderam começar a sobrevoar a cidade, e eu chorei no avião porque eu não vi a minha terra. A terra estava submersa. Sabia-se que ali estava a terra porque havia árvores que emergiam daquela superfície da água e para mim era um sinal. Eu perdi o chão da minha vida. Tudo aquilo que dava fundamento, sustento, essa coisa da ligação com a terra, estava cortado e eu pensei: ‘se calhar isso é um sinal de que esse livro tem de fazer o regresso aquilo que era antes’.

Perdeu o chão que o personagem tenta recuperar?

MC: Sim, era como se eu e meu personagem estivéssemos a trabalhar juntos nesse ciclo, no desfecho desse ciclo.

O personagem principal é poeta, que vai em busca da memória do pai, também poeta. Sua narrativa em prosa é caracterizada como poética. Você se sente mais poeta ou romancista?

MC: Eu sou um poeta que tem a ousadia de entrar no universo da ficção. Mas eu não acredito muito nessas fronteiras. Quem pensou na fronteira entre a prosa e a poesia não era certamente nem prosador nem poeta, alguém outro.

O seu penúltimo livro traduzido para o francês, também por Elisabeth Monteiro Rodrigues, “As areias do Imperador”, foi uma nova versão do original. Neste, também há a advertência de que a tradução foi feita a partir do original revisado por você. As traduções são uma oportunidade de reescrita?

MC: Sem dúvida, sobretudo quando se trabalha com uma tradutora da qualidade da Elisabeth que dialoga com o autor, que se interroga sobre coisas que às vezes passaram ao autor, ao revisor, ao primeiro editor do livro. Ela descobriu algumas incoerências que era preciso resolver. Em todos os casos, um tradutor reescreve um pouco um livro. Não há uma coisa chamada passagem de uma língua para a outra que seja completamente inocente, isto é, ela tem de reescrever em francês às vezes como se fosse ela própria a autora dessa versão.

Os paradoxos da colonização continuam te interpelando e seu próximo livro vai abordar as agruras de um colonizador português?

MC: É que a gente fala da colonização, do fenômeno colonial, como se fosse uma coisa do passado. Mas a colonização não foi superada no sentido da relação colonial que se tem com esses países ou que eles têm consigo próprios. Nós vemos em Moçambique e mesmo no Brasil, que tem 200 anos de independência, como essa herança colonial persiste e se quer reproduzir. Pode haver uma ruptura ao nível político. O país pensa que tem uma bandeira, tem um hino, mas do ponto de vista da sua relação com o mundo, da sua relação interior, de como as pessoas se definem numa certa hierarquia racial, social, tanto um como outro país que estou citando agora, Brasil e Moçambique, continuam a ter fortemente presente essa herança colonial.

Você tem com frequência comentado a situação política no Brasil. O que achou do resultado do primeiro turno?

MC: Eu, como tenho uma natureza pessimista, tinha uma grande esperança, mas não tinha uma grande convicção de que o Lula fosse ganhar. Acho que posso falar à vontade porque eu não sou brasileiro, não tenho que tomar opções partidárias, mas neste caso estamos perante uma situação que temos um candidato, que é o Lula, que representa a democracia, que representa o respeito pelas instituições, pela vida. Portanto, acho que a escolha agora não é só uma escolha política, mas uma escolha quase de civilização. Eu esperava muito que o Lula ganhasse, mas eu tinha também algum receio porque o problema não é só Bolsonaro, o problema é tudo que está por trás do Bolsonaro, esse Brasil que eu não sabia que existia e que existia com tanta dimensão.

Você falou das semelhanças entre Moçambique e Brasil, você teme que aconteça em seu país a mesma coisa que no Brasil?

MC: Acho que não é a mesma situação. Acontece em Moçambique um terrorismo de uma facção religiosa, do extremismo islâmico. O que existe no Brasil é um extremismo religioso também. Muito daquilo que é política no Brasil vem da força que essas igrejas evangélicas vêm tomando. Eu não sei dizer, não posso vaticinar nada, mas preocupa muito como isso cresça (em Moçambique), ao lado do reforço de um armamento da população. Portanto, há ali potencial para que se crie uma situação que pode ser mais violenta que o Brasil, que hoje já não é tão pouco violento assim.

No início de “O Mapeador de Ausências”, o personagem está deprimido e volta à cidade natal para tentar resolver esse problema e conseguir dormir. Você diz que é o seu livro mais autobiográfico. Como está o Mia Couto hoje?

MC: Na altura, eu percebi que eu não estava bem, que realmente, como acontecia com esse personagem, eu tinha dificuldades em ler, em me concentrar, em escrever e isso me preocupava muito. E quando fui ao médico, ele me disse que eu estava deprimido. Eu fiquei muito surpreendido porque eu tenho um temperamento que pensa que eu estava livre dessa condição, mas eu acho que não fico preocupado com isso, eu enfrento isso. Num mundo que está tão deprimido ele próprio, nenhum de nós pode estar normal. Há sempre uma ferida que fica olhando a situação de um mundo que a gente não sabe prever, não sabe entender.

Como diz um de seus personagens no final do livro, você tem de contar sua própria história para superar?

MC: Exatamente. A contação da sua própria história tem um efeito terapêutico enorme sobre nós próprios e sobre os outros, quer dizer, se eu escutar a sua história, eu fico melhor também. É uma espécie de um abraço que a gente dá.”

Você já ganhou vários prêmios literários, como o Camões, o principal prêmio da língua portuguesa. Este ano, aqui na França, você foi selecionado para os importantes prêmios “Femina” e “Melhor Livro Estrangeiro” e foi cotado para o Nobel. Qual é a sua expectativa?

MC: Nenhuma! Eu tenho essa relação com os prêmios que para mim eles não existem e quando existem, quando acontecem, obviamente eu fico muito feliz, mas não estou à espera deles. É uma espécie de um desencontro antecipadamente assumido.




Texto originalmente em RFI

Nota 
Os grifos, em amarelo, no texto acima foram feitos por mim. 
( Rosa Maria - Editora do Blog )


Ao Brasil, com amor



Jamil Chade, Juliana Monteiro | pandemia (Foto: Reprodução Reuters)


Apresentação do livro recém-lançado de Juliana Monteiro &
 Jamil Chade


Por Renato Janine Ribeiro

Amor é uma palavra onipresente em nossa sociedade. É um dos instrumentos mais poderosos do marketing atual. Amor vende quase qualquer produto. Mas por isso mesmo é importante saber o que ele quer dizer. Os estudiosos se dividem entre os que sustentam a existência de um “verdadeiro amor” e os que aceitam que haja vários tipos dele. A primeira distinção talvez seja entre um amor erótico, predatório no limite, e um amor dedicado, que no seu limite é doação, é o amor materno pelo filho. Não por acaso, nesta bela troca de cartas, tanto Juliana Monteiro quanto Jamil Chade falam da experiência que tiveram ao nascerem seus filhos.

Juliana tece uma oposição entre maternidade e guerra. Vingar, diz ela, para uma mãe, é ver seu rebento vingar, como dizemos de uma planta: é consolidar-se como ser vivo. (É muito diferente, praticamente o oposto, de vingar-se). Mães temem, por dias ou meses, talvez anos, que algo de ruim suceda a seu filho. Felizmente, acrescento eu, a mortalidade infantil despencou no último século, mercê especialmente da saúde pública, da água potável e do tratamento dos esgotos. A morte de crianças caiu, por milhar de nascimentos, de três dígitos para apenas um.

Pais não precisam mais ter inúmeros filhos para que sobrevivam um ou dois que, por sua vez, os amparem na velhice. Jamil fala do receio que teve, ao nascer seu filho Pol, de perdê-lo. Lembrei-me de Montaigne contando que teve “dois ou três” filhos que morreram em tenra infância. Comentando essa passagem, o historiador Philippe Ariès observa: qual pai, hoje em dia, não saberia se foram duas ou três as crianças que morreram na idade de 1 ou 2 anos? Haveria uma frieza maior naquela época ou simplesmente era tão comum a mortalidade infantil que já era aguardada a perda, e a memória se adaptava a ela?

Usualmente, quando falamos em amor, a tendência é distingui-lo da paixão. As definições clássicas de amor o identificam a querer o bem da pessoa amada – o que tem tudo a ver com o amor aos filhos, que antes mencionei. Mas o sentido usual de amor, na cultura atual, como a telenovela e a canção popular, está mais próximo do desejo sexual. Ora, este almeja o bem do amante mais que o da pessoa amada (ou desejada). Crimes passionais são justamente isso: se ela não vai ser minha, que morra.

Minha primeira orientadora, dona Gilda de Mello e Souza, se indignou quando Doca Street assassinou Ângela Diniz no final de 1976. E me disse algo assim: crime passional é uma farsa; para acreditar que um homem não possa viver sem a pessoa que ele diz amar, a lógica seria que ele se matasse. Matá-la e sobreviver mostra muito bem que esse suposto amor era mentira. Não era o querer bem ao outro, mas o desejo de dominá-lo.

Ora, somos inundados por uma mídia que apresenta o amor como sendo desejo, como sendo sexo. (Por isso mesmo tenho insistido em que, se é preciso termos educação sexual nas famílias e nas escolas – até para evitar a gravidez indesejada, o abuso sexual e a transmissão de doenças, inclusive fatais –, faz tanta ou mais falta educar para o amor).

***

Falar de amor num tempo de ódio é prioritário, como dizem de vários modos nossos dois autores. Vivemos, entre 1980 e 2010, trinta anos gloriosos – não como os após a Segunda Guerra Mundial, cuja glória esteve no desenvolvimento econômico dos países mais ricos e na formatação de um Estado do bem-estar social, mas como os do combate à fome e do avanço da democracia nos países mais pobres, entre eles o Brasil. Saímos, em 2013, do Mapa da Fome, ao qual lamentavelmente voltamos nos governos seguintes. Parecia vitoriosa a luta pela democracia. Poderíamos imaginar a grande regressão que depois veio? Poderíamos acreditar que pessoas queridas, até parentes nossos, viriam a apoiar governos que querem a morte de tantas pessoas, inclusive de seus consanguíneos ou amigos de infância?

Não por acaso, Juliana e Jamil insistem no papel democrático do amor e das paixões a ele correlatas, como a amizade. Lembro uma passagem de Jorge Luis Borges, quando evoca a homenagem de um guerreiro medieval ao inimigo morto. Lembro também uma observação atribuída a Margaret Mead, que data a humanidade (no sentido figurado e não como espécie, como qualidade ética) do osso humano que se recompôs de uma fratura: foi preciso haver quem cuidasse do ferido, quem o amparasse, até ele cicatrizar-se do machucado.

Noto que, nos últimos meses, me deparei várias vezes com essa referência ao comentário, genuíno ou não, da grande antropóloga. Quer dizer que cresce a esperança na ideia de que a humanidade, enquanto espécie humana, tenha a possibilidade de recuperar a humanidade enquanto sentimento de compaixão e prática de cooperação.

Ou lembremos a questão da ética do cuidado, levantada umas décadas atrás por Carol Gilligan. Ela parte de uma experiência proposta por seu mestre Kohlberg sobre o desenvolvimento moral da criança. Kohlberg colocava cada criança diante de um problema: a mãe dela estava à beira da morte, dependia de um remédio caríssimo para se curar, e o farmacêutico se recusava a dá-lo a ela. O que fazer então? Assim posta a questão, ela praticamente determina uma resposta ao modo de Antígona: a ética exige quebrar a lei. Dessa maneira respondiam os meninos, mas não as meninas, que insistiam em tentar persuadir o farmacêutico. Kohlberg disso inferiu uma deficiência das meninas na compreensão do problema – e do que ele chamou de ética da justiça –, mas Gilligan o contestou. O que elas expressariam seria uma ética do cuidado, um conjunto de valores em torno da convicção de que seria possível uma solução pelo acordo, não pelo confronto, não pelo corte (lembrando que decisão contém cisão, corte, no seu âmago). O modo masculino de ver as coisas seria incisivo, cortante; o feminino seria englobante, includente.

Ora, o avanço do papel das mulheres na sociedade atual não será sinal do que podemos chamar uma feminização crescente de nossa cultura? Notem que, ao contrário do que algumas autoras criticaram em Gilligan, nada disso supõe predicar uma essência masculina ou feminina, uma natureza belicosa do homem ou compassiva da mulher. Podemos seguir sua intuição entendendo-a como uma simples referência a papéis construídos ao longo dos milênios e que foram identificados a dois suportes diferentes, um o dos cromossomos XX e outro dos XY, mas podem estar presentes em homens e mulheres.

Se recuarmos no tempo, veremos que na sociedade medieval as mulheres, ou o feminino, desempenharam papel importante na adoção de costumes mais cuidadosos e respeitosos, processo que Norbert Elias chamou de “civilizar os costumes”. Foi a presença delas que levou, por exemplo, às maneiras modernas, como não cuspir na mesa (ou à mesa), não tomar a sopa diretamente da sopeira, não assoar o nariz sobre os pratos em que se servia o alimento. Esses cuidados, que hoje às vezes são associados, retroativamente, a intuitos higiênicos, na verdade se originaram de formas de respeito. Era respeitoso em relação ao outro, e em especial à mulher, abster-se de práticas que suscitassem o incômodo ou, mesmo, o asco.

A mulher era o outro por excelência. Pretendia-se agradá-la, conquistá-la: por isso, aqueles machões medievais, comparáveis a fazendeiros grosseiros de um Brasil que felizmente foi desaparecendo, a um Paulo Honório como o que Graciliano Ramos coloca em cena no seu São Bernardo, adotam modos que eles imaginam causar prazer às mulheres, e que seriam os delas. Por isso, faz sentido pensar aqui no amor materno: o amor que Juliana e Jamil dedicam ao Brasil é um amor de mãe.

É nosso país um filho? Todo país o é. Nenhum país é uma essência prévia a seus cidadãos. Toda pátria, ou mátria se assim preferirmos, é uma criação constante do afeto. Em português, chamamos de criança a pessoinha que estamos criando. Criar, em nossa língua, não é um ato fulgurante, instantâneo, como a criação divina do mundo a partir do nada, na versão judaico-cristã. É um trabalho longo, com muito afeto investido, que dura dez anos ou mais. Até pouco tempo atrás, por sinal, era uma tarefa da mãe, mais que do pai. E não é fortuito que o ódio que nestes últimos anos tomou conta de nosso país, e de tantos outros, nas mãos da extrema direita tenha tanto a ver com um retorno furioso do machismo.

Há homens que se sentem estranhos, perdidos num mundo em que perderam os privilégios que tinham por tão só haverem nascido num determinado sexo, classe, orientação sexual: e com o declínio da democracia desde a crise econômica iniciada em 2008, eles se consideraram autorizados a vingarem-se daqueles que se atreveram a se colocarem como seus iguais, pior que isso, a pensarem que podiam lhes ensinar algo novo e diferente.

Mas é esse o caminho do futuro, o dos diferentes, do “outro por excelência”, como foi a mulher por milhares de anos: e por isso Juliana e Jamil, querendo ambos devolver amor a um país que foi pilhado pelo ódio, escrevem ao Brasil (e sobre o Brasil) a partir da alteridade europeia, mas com um coração de quem se dirige a uma criança amada.






Professor titular aposentado do Departamento de Filosofia da USP. Autor, entre outros livros, de Maquiavel, a democracia e o Brasil (Estação Liberdade).




Recantos de Estante : uma moda que você vai querer colocar na sua casa


33 Inserções De Estante De Livros Que Todo Amante De Livros Vai Adorar



Já ouviu falar em recanto de estante? É um pequeno cenário decorativo que dá um charme na sua estante de livros, colocados entre seus títulos favoritos. 


O site buzzfeed publicou uma lista dos mais bonitos e interessantes cantinhos que você pode comprar e colocar para dar um charme todo
 especial à sua biblioteca. Confira.




Esta lindeza inspirada em Harry Potter



Este incrível Cantinho Blade Runner tem tando detalhe que parece
um cenário do filme.



Este bequinho escondido no meio da estante




Uma trilha inspirada nos Ewoks de Star Wars



Esta pacífica e acolhedora galeria



Este cantinho criativo tranquilo entre os livros



Esta cara bizarra escondida entre os livros





Esse cantinho é ativado por sensor de movimento e inspirado em Senhor dos Anéis que acende quando você se aproxima…






… and has this whole setup inside it



Este maneiríssimo cenário de pedra que tem até iluminação de chamas










Uma lareira em uma casa aconchegante… dentro de um livro


 Esse foi inspirado pelo Beco Diagonal







6 frases do livro ‘O Cavaleiro da Armadura Enferrujada’ para refletir





As frases do livro ‘O Cavaleiro da Armadura Enferrujada’ nos oferecem grandes lições de autoconhecimento. Nesta aventura narrativa somos testemunhas da alquimia interior pela qual todos, de algum modo, deveriam passar alguma vez. Poucas obras são tão simples e ao mesmo tempo evocativas em relação à transformação humana e à intenção de aprender a ser melhor.

Algo que sem dúvida é curioso, e ao mesmo tempo fascinante sobre esta obra, é o seu autor. Robert Fischer foi um dos melhores escritores de comédia do mundo do cinema, teatro e televisão. Trabalhou para Groucho Marx, Lucille Ball e Bob Hope. Este autor teve uma carreira excepcional no mundo da escrita, bem como uma arte maravilhosa para nos trazer uma visão mais otimista e construtiva da vida.

Sua capacidade de fazer o leitor rir ia acompanhada da reflexão capaz de nos fazer ver nossas próprias limitações e potencialidades. Sua extensa experiência como humorista e dramaturgo o dotou de uma capacidade inata para despertar consciências e para fazer de suas obras de autoajuda um caminho acessível, original e evocativo para facilitar nosso desenvolvimento pessoal.

Frases do livro ‘O Cavaleiro da Armadura Enferrujada’

A história central desta obra nos leva a um cavaleiro muito singular. Estamos diante de um homem admirável: corajoso, que faz (aparentemente) ações nobres e é generoso… No entanto, logo nos damos conta de uma coisa. Ele vive tão encantado pelo brilho de sua própria armadura que não sabe apreciar o que tem.

Sua cegueira chega ao ponto de negligenciar o que o cerca. Incapaz de valorizar outra coisa senão suas próprias virtudes, um dia percebe algo bem singular: sua armadura deixa de brilhar; está enferrujando. Cativo de si mesmo, se lança em uma jornada de iniciação espiritual e transformação onde se liberta de diversas barreiras. É então que, através de personagens originais e experiências, este livro nos deixa grandes ensinamentos.

As frases de ‘O Cavaleiro da Armadura Enferrujada’ são, sem dúvida, exemplos do autoconhecimento, do despertar que todos devemos promover.

1. O que há sob nossas armaduras
“Colocamos barreiras para nos proteger de quem acreditamos ser. Então, um dia, estamos presos atrás das barreiras e não podemos mais sair”.
O cavaleiro tinha plena convicção de que era bom e generoso. No entanto, suas ações não evidenciavam tais nobrezas, tais qualidades. Sob sua armadura brilhante havia alguém que precisava ser polido para compensar suas grandes carências.

Este personagem foi capaz de travar ferozes batalhas. No entanto, em nenhum momento ele se deu conta do inimigo que tinha em seu interior, do dragão enfurecido que havia prendido o seu verdadeiro “eu”.

2. O alívio emocional
“Apenas as lágrimas de sentimentos verdadeiros irão libertá-lo da sua armadura”.
O reconhecimento das próprias necessidades e o contato com as emoções presas em nosso interior são o primeiro passo para nos livrarmos do peso de nossas armaduras. Para remover a ferrugem e brilhar novamente, nada melhor que oxigenar espaços, desprender tensões, chorar…

3. Tomar consciência do que é importante
“Aos seres humanos foram dados dois pés para que não tivessem que permanecer no mesmo lugar, mas se permanecessem quietos com mais frequência para poderem aceitar e apreciar, em vez de irem de um lado para o outro tentando se apoderar de tudo, entenderiam verdadeiramente o que é a ambição do coração”.
Esta é uma das frases do livro ‘O Cavaleiro da Armadura Enferrujada’ que mais deve nos convidar à reflexão. Nosso cavaleiro atravessa territórios, países e reinos para fazer o bem. Salva, defende, protege e luta contra (o que ele considera) errado. No entanto, esse personagem passou a alimentar um amor maior por sua própria armadura do que por sua família.

Sua esposa Julieta e seu filho quase não ocupam espaço em sua memória. Negligenciou o que é verdadeiramente importante. Portanto, não nos esqueçamos de que todos somos livres para nos mover, para crescer e avançar, mas por sua vez, é necessário estarmos conscientes de nossas raízes: do que é importante.

4. O aqui e agora
“Nunca havia apreciado o que acontecia no momento. Durante a maior parte de sua vida, não havia escutado realmente a ninguém nem a nada. O som do vento, da chuva, o som da água que corre pelos riachos, haviam sempre estado ali, mas na realidade nunca os havia ouvido…”
Apreciar o momento presente, ser receptivo ao que nos rodeia, é um modo de tomar consciência do que tem real valor. Colocar o olhar no próprio ego, no que fizemos ontem ou faremos amanhã, enferruja ainda mais a nossa armadura. A verdadeira luz se encontra no momento presente, onde estão nossas oportunidades, onde nossa felicidade pode acontecer.



5. O amor por si mesmo

“O cavaleiro chorou mais quando compreendeu que, se não se amasse, não poderia realmente amar os outros. A necessidade que tinha deles era um obstáculo. Nisso apareceu o mago e lhe disse: somente poderá amar os outros à medida que ama a si mesmo”.
Há um momento no livro em que o cavaleiro não resiste mais. Avançou tanto na floresta de seu inconsciente que só pensa em fugir, em voltar para a sua família. No entanto, mais tarde ele percebe algo: ainda não pode voltar porque não sabe cuidar de si mesmo. Alguém que não sabe cuidar de si mesmo e que não se ama dificilmente poderá amar os outros como merecem.

Esse é, portanto, nosso primeiro passo em toda transformação pessoal: cultivar um amor próprio saudável, aprender a valorizar a nós mesmos, a curar a nós mesmos, a cuidar de nós mesmos.

6. O silêncio como canal de escuta
“Permanecer em silêncio é mais do que não falar”.
Esta é outra das frases do livro ‘O Cavaleiro da Armadura Enferrujada’. Na obra, o próprio cavaleiro deve enfrentar o dragão de seus pensamentos em meio à solidão e ao mais rigoroso silêncio. Tal situação não é confortável, porque há muitos ruídos mentais e, além disso, há suas armaduras inconscientes, que o impedem de acessar seu autêntico ser para derrotar o falso eu.

Quebrá-las para esclarecer suas necessidades e abraçar seu ser autêntico é algo que conseguirá neste cenário de silêncio. Onde não há opção a não ser escutar.


Para concluir, há um fato que vale a pena comentar sobre Robert Fischer, o autor do livro. Em mais de uma ocasião, explicou que a ideia deste livro surgiu a partir de várias experiências de quase morte. A vida o levou a esse limite em diferentes ocasiões, e em todas elas sua própria voz lhe dizia: “Você não deve morrer. Você ainda não cumpriu o que veio fazer”.

Este livro era sua missão, e essa experiência com ele transformou sua vida. Foram 6 anos e meio dedicados a esta obra, e essas frases do livro ‘O Cavaleiro da Armadura Enferrujada’ nos lembram que também temos a missão de encontrar o nosso propósito, mas primeiro temos que nos libertar de nossas armaduras.






O Cavaleiro da Armadura Enferrujada - Livro - WOOK



Como o método japonês de arrumação da Marie Kondo revirou minha vida por completo



A mágica da arrumação - Sextante


Marcela Braz

Quando presenteei minha tia com o livro “A Mágica da Arrumação”, da Marie Kondo, jamais imaginaria que três anos depois ele teria voltado para minhas mãos e seria tão importante para quem sou agora. Lá em 2015, a ideia era ajudar minha tia com a eterna bagunça da casa. Pouco antes de falecer, ela me disse ter achado a proposta meio radical e estranhou a ideia da “energia das coisas”, de como as roupas “deveriam ficar felizes no armário” (risos). Ou seja, leu o livro, mas não fez o método, e tudo bem. Achei o resumo meio bizarro mesmo e ficou por isso. 

Mais um livro parado e pegando poeira. Igualzinho acontece com você.

Nesse meio tempo, KonMari, como também é conhecida a japonesa, intensificou seu estouro como organizadora profissional no mundo todo, e o livro já supera as 8 milhões de cópias vendidas em mais de 40 países. Em 2016, o livro voltou para as minhas mãos, mas foi só nessa virada de ano de 2017 para 2018 que o desafio entrou em cena.

Agora, pensando bem, é muito claro para mim como as coisas só acontecem quando a gente deixa elas acontecerem. Quando comprei o best-seller, assim como minha tia, não estava nem um pouco preparada para revirar minha casa ou repensar minha relação com o que me cerca. Porque o método é muito mais do que simplesmente doar e arrumar. Ele transborda para decisões de vida, é muito louco.

É aquela coisa: Comecei avaliando se uma moringa me fazia feliz e acabei terminando com um boy.

Mas, ok, vamos começar do começo: o que é esse método? Quem é essa pessoa? Bom, a Marie Kondo ou KonMari é uma organizadora profissional japonesa que desde pequenininha é obcecada por arrumação, como funciona (do que se alimenta?) e como pode ser mais eficaz. O método é todo dela, tem sua lógica própria aliada com algumas crenças, como a da energia que passamos para os objetos e como isso faz com que eles “ganhem vida”.

Euzinha e um monte de coisa que não preciso! Marie Kondo, aquele beeeeeeijo, querida.


Ri muito numa passagem sobre como as meias ficam tristes se fazemos bolinhas com elas — as minhas eram organizadas todas em bolinhas. Mas me deu um siricutico e decidi me entregar de corpo e alma ao método e testar: se eu realmente fizer tudo que ela quer, tudo mesmo, vai funcionar?

As regras são claras. Você deve se comprometer a arrumar tudo de uma vez, o mais rápido possível. Descartar tudo primeiro e depois guardar. A organização é feita por categorias, não de cômodos, e existe uma ordem para isso: roupas, livros, papéis, objetos diversos e, por último, os mais difíceis, pertences sentimentais. Confesso que respeitei mais ou menos essa ordem e que muitos dos sentimentais ainda estão na casa da minha mãe. KonMari fala sobre isso: não é para levar as coisas para casa dos pais, é para aplicar o método na sua casa e depois fazer o mesmo com seus pertences na casa deles.

A base de tudo é segurar o objeto nas mãos e se perguntar: isso me traz alegria? E apenas se cercar do que te faz feliz. Essa ideia começa em casa e vai se espalhando para vida. Passei o primeiro dia INTEIRO, inteiro mesmo, pegando coisas nas mãos, olhando para elas e me perguntando (de verdade): isso me traz alegria? para mim, pessoalmente, esse é o segredo do método. Não é separar doações, não é pensar: hmmm eu uso isso? Não. É se perguntar exatamente essa pergunta, com essas palavras, de novo e de novo, até tudo acabar: isso me traz alegria? Ou: isso me faz feliz?

No começo não tem sentido, pensei: “Sei lá, como vou saber?”. É um grampo de cabelo… Assim… Veja bem. Mas, confie em mim (ou na Marie), você sabe. A gente inventa significado para tudo, até para um tapete de banheiro, e nem percebe. E nessa hora vem tudo à tona, todas as invenções, tudo que a gente pensa e sente, todas as ideias e sentimentos guardados nessas coisas das quais nos rodeamos.

Dia 1 : Onde foi parar tudo o que sou?

Gente, os gatos ficaram, tá? Eles são as coisas que SÓ me fazem feliz, aliás…

Cara, não dizem (na yoga, na vida) que o corpo é uma metáfora, os objetos são só instrumentos para gente acessar a alma? Foi bem isso. A pilha monstruosa de roupas e coisas em cima da minha cama era bem a imagem de como me sentia por dentro. Tudo junto e misturado e fora de lugar. É too much. Mas, assim, o Ministério da Marcela adverte: sou uma pessoa intensa e fiz tudo intensamente. Outras pessoas não se afetaram tanto pelo método. Mas, no mínimo, é uma ótima maneira de simplificar, reduzir, ter escolhas mais sustentáveis e arrumar a casa.

Voltando ao eterno primeiro dia, me deparei com aquela blusa uó que só uso quando tô mal. Ela me deixa pior ainda. Então, por que guardar isso, meu deus? Beeeeeeeijo e tchau, queridinha! Essa foi fácil. Mas tem o drama daquelas peças vestidas com frequência, mas que não me fazem feliz. Por que compro/aceito o que não tem a ver comigo? Que não me representa? Foi difícil colocar na pilha de doação e pensar nessas questões.

Próxima categoria: livros. É um clássico, lindo, edição especial, aclamado pela crítica e… Whatever? Não importa. Se não me faz feliz, se não vou reler ou não quero genuinamente ler pela primeira vez, vai para doação. O mais legal desse setor foi postar imagens dos livros mais legais e perguntar quem dos meus amigos e conhecidos os queria. Dá um calor no coração saber quem vai desfrutar daquilo, rola uma conexão na hora da entrega, é bem legal.

Dia 2 : ‘Não acredito que ainda não acabou’

Legal ter uma prateleira cheia, né? Mas pergunte-se: “Vou reler estes livros ou são enfeites?”

Depois das roupas e dos livros, vêm os objetos diversos. Aí é que o bicho pega, porque a gente tem milhares de coisinhas por aí, em gavetas, armários, banheiro, caixas. E eu não teria mais dias inteiros para me dedicar a isso.

Acordei já me sentindo meio estranha, remexida, incomodada com a arrumação ainda não ter acabado e, ao mesmo tempo, aliviada com o tanto que separei e com quão bonitinhas as roupas ficaram na cômoda e no armário. Os vazios me noiaram, mas me conscientizei de que é preciso ter espaço para coisas melhores virem.

Segui olhando cada objeto e pensando: isso me faz feliz? Tinha uma moringa linda da Tok&Stok, útil, praticamente nova, tudo de bom. Mas ela vivia rodeada de copos. Ou seja, não me faz feliz e eu já sabia, porque inconscientemente parei de usar. E agora? Dar ou não dar? É difícil se desfazer de algo bom, bonito e útil. Segui com o método, e hoje ela não me faz a menor falta e traz alegria a uma amiga. Foi ótimo!

Pausa. Num momento meio Clarice Lispector, daqueles de revelação repentina, me dei conta: meu relacionamento (ou melhor, meu não-namoro) não me fazia feliz.

PAN! PAN! PAN! Fiquei desesperada, C-L-A-R-O.

Não poderia existir mais um minuto sem resolver essa situação, esse vai-não-vai, o namoro não declarado, os freios desnecessários, esse bloqueio de amor e de sentimentos. De repente tudo ficou muito claro: o que a gente tinha não cabia mais na minha vida.

O método da Marie Kondo é quase uma constelação sistêmica, um método de reorganização de emoções e energias inconscientes. O que não serve mais um dia serviu. A KonMari fala para agradecermos o papel daquilo na nossa vida e libertá-lo, uma coisa meio budista assim. E, como disse uma amiga minha, fazer isso foi como desentupir um cano e, depois, a água jorrar com força total.

Eu desbloqueei o amor na minha vida (pelo menos de um dos canos). Entendi e comuniquei que amo a pessoa com quem estava me relacionando, mas o que tínhamos não cabia mais. E quando a venda saiu dos meus olhos no presente, entendi o passado. Mandei uma mensagem para outra pessoa: lembra três anos atrás? Te amei e não tive coragem de dizer isso nem a mim mesma. Pois bem, agora, antes tarde do que nunca, está dito.

O spoiler desse relacionamento, para voltarmos à jornada da arrumação, é que o velho se foi e um namoro se estabeleceu, com mais abertura, diálogo, amor e um passo de cada vez. Foi preciso abrir mão e soltar, para então dar espaço a algo melhor. E se não viesse melhor, deixar ir de fato.

Dia 3 : O microfone ridículo

A Marie Kondo, apesar de parecer fofinha, é um tapa na cara atrás do outro. Ela é super dura e, resumindo 90% do livro, tem que jogar tudo fora (doar, reciclar etc.). Cartinha de ex-namorado? Fora. Elas serviram seu propósito, você a leu, ficou feliz e agora beijo tchau. Fotos de infância? Tchau. Você não vai ficar revendo todos esses álbuns, diz ela (mentira, eu sempre faço isso). Enfim, confesso que nesses departamentos não segui tudo à risca, mas apliquei a pergunta de sempre para decidir o fim daquilo.


E em meio a todas as regrinhas duras de Kondo existe um coração molenga que te permite guardar algum objeto ridículo que te faz muito feliz. No caso dela, é uma camiseta da qual ela nunca se desfez. No meu, é um “microfone” de luzes, adquirido quando morava no México, que toca uma musiquinha e treme ao mesmo tempo. Sei lá, é maravilhoso e não serve para nada, a não ser para fazer as pessoas felizes. Está guardadíssimo, só preciso lembrar de usar mais vezes.

Dia 4 : qual é o seu lugar?

Que sensação linda essa de ver tudo em seu lugar : Nada me falta,
 mas um monte foi embora !

Finalmente chegou a hora de guardar as coisas, designar novos espaços para “quem” ficou e, enquanto isso, sofrer com as mil sacolas de doações entupindo a sala à espera do Exército da Salvação. Rolou uma pira para resignificar onde cada objeto iria, me senti com mais espaço, mais vazios e bastante perdida. Assim como as peças, meus sentimentos estavam confusos, sem lugar e sem definição. Sou dona das regras e não sei bem o que fazer com isso.

A KonMari dá seus pitacos, mas te deixa livre para voar nesse quesito. Aí minha amiga (da moringa) me deu uma luz: simplesmente escolha. Se não servir, troque de lugar. É isso, não? Nada é estático e imutável.

‘Miga, você não sabe…’ : Após dias de Desafio, o saldo é positivo. E teve 
quem ganhou tudo isso aí

A “mágica” da arrumação está rolando até agora. E não é bem uma mágica, na real. É uma escolha. Conheço pessoas que fizeram o método e curtiram, mas sem grandes dramas e epifanias. Para mim foi assim porque assim o escolhi, faz sentido? Quis me jogar nas regras bizarras da japonesa e me transformar, porque, na verdade, eu já estava me transformando. Isso foi apenas mais uma ferramenta.

E depois a poeira assenta, talvez eu me sinta menos assertiva e segura do que quero em novas frentes, mas o primeiro caminho para chegar lá foi traçado. Posso voltar a ele quando precisar. Basta me perguntar: isso me faz feliz?



Marcela Braz é jornalista e tem muita dificuldade para se descrever em terceira pessoa. Suas atividades preferidas incluem amassar gatos, comprar plantas, fazer Yoga With Adriene (procurem no Youtube!), decorar a casa, conversar sobre questões filosóficas e rir até seu rosto ficar horroroso.





A vida depois da doença


Feira do Livro: Por que não falar em doença? questiona o Dr. Lucchese em seu novo livro. “Segunda chance – A vida depois da doença” tem sessão de autógrafos nesta terça-feira

A segunda chance segundo Fernando Lucchese



Juremir Machado da Silva


Quem não conhece o dr. Fernando Lucchese? Craque do coração, cardiologista de renome, ele é também autor de livros de sucesso. Acabei de ler o seu “Segunda chance, a vida depois da doença” (L&PM). Que belo livro! Com um texto leve e cativante, Lucchese descreve o que a doença faz com a gente e como alguns conseguem melhorar (ficar curados e melhores). Eu diria que quem anda por volta dos 60 anos de idade não pode deixar de ler esse relato de experiências de um médico consagrado e suas sábias interpretações do comportamento humano. A doença transforma arrogantes em humildes, colossos em seres frágeis.

Há os que nunca vão ao médico e os que só pensam em doenças. Há os que se acham imortais e os que fazem da própria doença uma razão de viver. Há os que morrem sem ter vivido e os que só despertam para a vida quando olham nos olhos da morte. Há os que não se cuidam por só cuidarem da agenda e há os que se desesperam quando a doença chega por ter de cancelar a agenda. A grande sacada, quando a doença bate à porta, sugere Fernando Lucchese, é darwiniana: “Só sobrevivem os que se adaptam”. Passa-se da surpresa à revolta e desta ao medo de morrer. Depois, vencido o primeiro tranco, surgem adaptação, aceitação e esperança. O autor aborda as reações dos pacientes e os procedimentos dos médicos, que não podem dar garantias nem eliminar imprevistos.

Doença não salva casamento em crise. Mas pode dar uma chance de reinventar a vida. Lucchese mapeia: “Após diagnosticada a doença, as reações individuais são as mais variadas. Há os que simplesmente negam e seguem tocando a vida. Às vezes correm perigo por não levar a sério as recomendações dos médicos. Há outros que passam a viver em função da doença. Param completamente a vida e declaram-se doentes”. Como encontrar forças para continuar? Como não mergulhar na autocomiseração? Existe um doente ideal? Segundo Lucchese, “o doente ideal é aquele que aprende com a doença. Tira do infortúnio as lições necessárias para continuar a vida evitando a recaída ou outras doenças”. O melhor caminho para a segunda chance é o estilo de vida.

Na equação do dr. Lucchese estilo de vida = saúde = felicidade = longevidade. Isso passa por alimentação, filosofia de vida, percepção da nossa finitude e busca de equilíbrio: “Os inteligentes e os espertos se adaptam e apostam na quantidade de vida que têm pela frente. E buscam qualidade no tempo que resta”. Com humor, Lucchese ilustra as situações. Um produtor rural idoso apaixonou-se pela jovem cuidadora. Preocupados com perdas na herança, os filhos avisavam que ela só queria o dinheiro dele, que, maroto, respondia: “E eu tenho!”

Velhice não é doença, mas traz doenças com ela. Precisamos manter viva a criança que nos habita: “Definitivamente, crianças são melhores do que os adultos que delas são gerados. Talvez por isso as crianças sempre estão preparadas para uma segunda chance após tratada a doença. Adultos nem sempre estão”. “Segunda chance”, de Fernando Lucchese, é uma primeira oportunidade de lidar com o inevitável.


Manuela D´Ávila : Quando a maternidade e o afeto subvertem as regras da política tradicional







POR ANELIZE MOREIRA


Homem, branco, casado, com 48 anos e ensino superior completo. Esse foi o retrato dos candidatos que disputaram as eleições de 2018, de acordo com Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Foi nesse cenário eleitoral que uma mãe subverteu as regras da política tradicional, majoritariamente masculina, lançando-se ao desafio da corrida presidencial.

Manuela d’Ávila foi pré-candidata à presidência da República pelo PCdoB, em 2017 e, em 2018, formou chapa como candidata a vice-presidente do Brasil, junto com Fernando Haddad (PT). Ela tinha uma única condição: continuar a maternar a sua filha Laura, na época com 2 anos.

Em um pleito permeado por discursos de ódio e fake news, a sororidade, o afeto, e a maternidade questionam as formas de ocupar os espaços de poder. Laura se acostumou com a dinâmica da campanha eleitoral, sem rotina, em hotéis, entre colos de amigos e militantes e as viagens que fez por 19 estados brasileiros.

Dos registros feitos em bilhetes, redes sociais e crônicas escritas por Manuela nasceu o livro “Revolução Laura”, uma narrativa de como a maternidade pode ser revolucionária.

“Quando a gente muda a nossa cultura vai achar estranho o pai que nunca está com os filhos. Alguém está. Esse alguém é a mãe. Isso tem relação com as mulheres não ocuparem o espaço público. É fácil, fácil para o homem. Quando desfila com o filho, vira mito.” Essa é a primeira ideia, já na orelha do livro sobre o que se trata a publicação que já vendeu mais de 15 mil cópias desde 8 de março.

A autora é gaúcha, jornalista, feminista e mestra em Políticas Públicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Na política foi vereadora, deputada federal e estadual. O Brasil de Fato conversou com Manuela d’Ávila sobre maternidade, política, infância, eleições, projeto de país, amor, Lula, ocupação de espaços e pautas das mulheres no governo Bolsonaro.

Confira a entrevista feita durante o lançamento no Armazém do Campo, em São Paulo, na última terça-feira (6).

Brasil de fato: Como surgiu a ideia do livro?

Manuela d’Ávila: Quando acabou a eleição no ano passado, uma amiga que é editora desse livro, a Cris Lisboa, que também foi minha colega de faculdade, pediu que eu me fizesse uma pergunta: se existia outra mulher amamentando minha filha enquanto concorreria a presidência e a vice-presidência do Brasil. Se a resposta fosse sim, era inexpressivo escrever, mas se fosse não, talvez fosse importante escrever.

Apesar de não ter a menor condição de assumir esse desafio, porque estava pra defender meu mestrado, decidi escrever. Como militante marxista, entendo que precisamos compreender o peso do trabalho reprodutivo, do trabalho não remunerado, como se dá a construção da opressão das mulheres na nossa sociedade e o impacto disso na participação das mulheres em espaços públicos.

O livro não é teórico, aliás, esse foi um dos grandes receios meus em escrevê-lo. O mais importante foi jogar luz sobre o assunto e mostrar que é muito difícil para as mulheres ocuparem esses espaços porque os homens exercem o poder, mesmo os de esquerda, com parâmetros absolutamente privilegiados que é a invisibilidade daquilo que nós fazemos.

Esse processo [descrito no livro] foi o que me salvou nessas eleições de tanto ódio, de tanta mentira. Se de um lado eu vivi a eleição mais violenta de todas, e fui o principal alvo de fake news, de outro viajei o Brasil inteiro, a maior parte do tempo junto com a Laura, embora não fossem todos os dias, porque sempre compartilhei com o meu companheiro os cuidados dela.

Diante de tanto ódio eu vi um levante de mulheres em torno do meu direito de estar com ela. Esse levante foi o que blindou os questionamentos todos da política tradicional em relação a minha militância vivendo a maternidade. Foi lindo.

O que é ser mãe em plena campanha eleitoral? Como foi ocupar um espaço tão machista e misógino?

A gente vive num país que acha razoável e até exige a presença de uma figura de primeira dama, mas faz questionamentos como: ‘seu marido não tem vontade de se envolver?’ Sim, é graças a nossa parceria que eu posso eu viver a minha vida em toda a sua potência, diferente da maior parte das mulheres.

As mesmas pessoas perguntavam assim: ‘a menina vai junto? tu não tem uma babá?’. Eu não tinha essas respostas, mas foi a maternidade, o meu espaço de viver a vida da forma mais coerente com o que eu acredito, não terceirizando cuidados, por exemplo. A Laura vai para creche desde um ano meio, mas além da creche eu decidi não terceirizar, ou seja, não tinha uma babá que andava comigo, isso não traria à tona a invisibilidade do trabalho das mães e dos pais.

Eu só tinha dois caminhos quando o PCdoB me perguntou se concorreria a presidência: não aceitar ou construir um caminho com a Laura. Nunca quis reproduzir um exercício de poder masculino. Quando falamos do poder nós estamos falando de uma lógica marcada por privilégios e o privilegio não é só ser homem branco. É ser um homem branco que utiliza do trabalho invisível das mulheres.

Se nós mulheres exercemos esse poder da mesma maneira, em última instância, estamos quase defendendo o feminismo liberal, que é a meritocracia. É difícil chegar aqui e eu estou nesse lugar dos homens desde os 22 anos. Não estou pra ser igual a eles, mas pra desvendar ou pra tornar claro quais são os mecanismos de exercício de poder deles.

Você traz no livro que a política é masculina e machista e não tem espaço para a ingenuidade e para a alegria das crianças: “Levar Laura comigo, tornou-se sem que eu percebesse uma forma de resistência a política que desumaniza”. Quais cobranças você teve por ser mãe e querer estar no trabalho com Laura? Como foi ocupar o Congresso com uma criança?

As pessoas no Brasil tratam as crianças como seres inaptos. Existe uma espécie de separação entre assunto de criança e assunto de adulto. Não existe isso, exceto assuntos como sexo, bebidas alcoólicas e coisas que pactuamos conscientemente que podem ser feitas por maiores de idade, o restante, todos os assuntos, são de todo mundo: a saúde, a doença, a morte, a vida. O que interessa é a forma como você vai conversar com alguém que está em outra etapa do desenvolvimento.

As pessoas não estimulam as crianças, elas são apartadas e protegidas depois são largadas nessa mesma sociedade. Em países com altos índices de desenvolvimento cientifico, tecnológico e humano há formas como licença dos pais e mães, a jornada de trabalho…enfim, porque isso impacta em tudo, na ideia de Previdência, nos serviços públicos, em tudo.

Se existem menos escolas e as mulheres vão ao trabalho, nos lugares que se tem mais redes de assistência às crianças, as mulheres são mais emancipadas, existe mais igualdade e as mulheres contribuem mais pra economia. Eu vivi todas as situações em que as pessoas expressavam que nenhum lugar era de criança, que lugar de criança é só onde tem brinquedo colorido de plástico, no Brasil.

Aqui [Armazém do Campo] não é lugar de criança? Porque não é lugar de criança? Minha filha sabe que a comida vem da terra desde sempre e vai desde que nasceu na feira. Feira é lugar de criança? Quem disse o que é e o que não é? A gente acaba criando um ambiente de não estimulo, de não cidadania para as crianças e isso tem um impacto grande no desenvolvimento delas e no desenvolvimento do nosso país.

O projeto de Brasil proposto por você e por Fernando Haddad era completamente distinto do que está acontecendo com governo Bolsonaro. O que seria diferente se vocês tivessem ganhado as eleições?

Seria completamente diferente. Primeiro porque a gente tem um sonho e eles constroem um pesadelo. A gente tem um sonho de um Brasil. Minha filha tem tudo em todos os aspectos, materiais, afetivos, em um mundo em que maior parte das crianças não tem nada. Nós somos aqueles que não nos conformamos que a minha filha tenha e os filhos dos outros não tenham. Eles são aqueles que os filhos têm, e [não se importam] se da porta pra fora tenha um legião de crianças sem. Isso não é uma diferença qualquer.

As razões pelas quais nós fazemos política são opostas às deles. Nós defendemos o Brasil, eles um nacionalismo fake. Nós amamos o Brasil e o nosso povo, eles odeiam o povo. Como podem ter um amor pelo Brasil se não amam o povo? Se não gostam de mulher, negros e a população LGBT, sobra quem? Quem são os normais do presidente Bolsonaro, eles próprios?

Se tivéssemos vencido as eleições seria absolutamente diferente. Estaríamos lutando para o Brasil gerar empregos. O desemprego do Brasil é avassalador. São quase 15 milhões de pessoas. A explicação para uma parte grande do sofrimento do nosso povo é essa, como se conformar? Qual a política de geração de emprego do governo Bolsonaro? São ações só pra retirar direitos, corta recursos do ensino fundamental e superior. Como ter perspectivas desenvolvimento sem educação no mundo de hoje?

O projeto deles é da morte dos sonhos. É o necrocapitalismo que administra quem vai viver e quem vai morrer e só vão viver os iguais à eles. Nós queremos que vivam todos e com diversidade, liberdade, direitos garantidos e dignidade.

Você esteve sempre ao lado do ex-presidente de Lula durante o julgamento e durante a prisão. Como você avalia esse processo de prisão política?

O significado da prisão é muito maior que a prisão de uma pessoa inocente. Lula é um inocente preso, mas o Brasil tem 40% da sua população carcerária sem julgamento, porque ele não é mais um dos inocentes presos? Porque a prisão do Lula faz parte de um plano de prisão do Brasil, a não possibilidade de liberdade para o nosso país construir um país soberano para o seu desenvolvimento.

A prisão do Lula é a prisão do Brasil aos EUA, esse modelo de capitalismo quebrado que eles pregam pra gente, embora desempenhem nas suas fronteiras. Esse Brasil que negocia liberdade das mulheres, dos LGBTs, e tem um governador (Wilson Witzel/PSC) que sobe em um helicóptero e atira em pobre? Em negros quem vivem em comunidades do Rio de Janeiro.

É essa a agressividade da prisão de Lula. É muito maior do que seria a condenação de um inocente sem nenhuma prova, é o esforço pra prender o nosso projeto de um Brasil livre e soberano.

Quem é a Manuela, mãe, mulher, política depois das eleições?

Se fosse uma equação matemática, sou alguém muito realizada de ter podido viver essa experiência de concorrer à vice-presidência do Brasil com 36 anos de idade.

Desde 17 anos, quando militava no movimento estudantil, viajei o país todo e tive possibilidade de viver esse Brasil de muitas formas mais intensas e apaixonantes. Tive a possibilidade de minha família também se apaixonar por esse Brasil que tem cores, sabores, que têm contradições gigantescas; os mares mais lindos do mundo e pessoas morando na rua.

Esse Brasil de contrastes é o país mais desigual do mundo, mas também é apaixonante. No saldo de gols, sinto que apesar de tanto ódio, as pessoas e a minha filha me salvaram. Me salvaram emocionalmente. Não foi uma eleição qualquer. É piegas, é brega, mas a força do afeto, do amor é muito mais transformadora do que a do ódio. E eu vivi isso na pele e sou testemunha disso. O amor é muito maior, isso o que nos diferencia e isso que pode nos mover. Nós temos amor, solidariedade e empatia e [sabemos] que a gente pode construir um mundo em que todas possam viver com dignidade. Essa foi a transformação na Manuela.

Tudo isso já existia em mim, mas cresceu. E, além disso, era jovem e fiquei grisalha após as eleições (risos).

Você falou nas redes sociais que já está escrevendo seu próximo livro. Qual o tema?

Vou entregar ele a daqui a 50 dias. Será sobre feminismo, suas razões, lutas, trazendo temas e conceitos de alguns debates atuais sobre a luta das mulheres.


Título: Revolução Laura: Reflexões sobre maternidade e resistência

Editora: Belas-Letras; Edição: 1st (4 de março de 2019) 

Capa comum: 192 páginas






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