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Lanceiros Negros : procuram-se os responsáveis pela atrocidade



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Jeferson Miola


A atrocidade da Brigada Militar [BM] na desocupação do movimento Lanceiros Negros é triplamente abominável.

1. O edifício de propriedade do governo do Estado, localizado no centro de Porto Alegre, foi ocupado pelos Lanceiros Negros em novembro de 2015. Antes disso, por 10 anos este imóvel estatal ficou sem uso e abandonado.

Naquele edifício, dos Lanceiros Negros, convertido num lugar-movimento e transformado numa escola de vida e política, mais de 170 jovens constituíram famílias, geraram as crianças que recém nasceram [ali residia inclusive um bebê de 30 dias], montaram uma biblioteca para si e para seus filhos, definiram regras comunitárias e processos democráticos de deliberação, se integraram com dignidade e respeito à vida no bairro, se tornaram personagens do centro da cidade, enfim, se fizeram luzes indicadoras de que a reurbanização do centro histórico da cidade só é possível quando acolhe e integra com humanidade na sua paisagem o povo simples e trabalhador.

O chefe do Executivo gaúcho, José Ivo Sartori, contudo, insensível a isso tudo, rechaçou com uma burrice cega e preconceituosa este bem sucedido experimento popular de organização social baseado na auto-gestão. Como a inteligência gerencial e a sensibilidade humana do Sartori cabem num tubo de gás pimenta, para ele o assunto é resolvido de maneira simples e prática: bastam cassetetes e balas de borracha.

Sartori simboliza o despotismo; ele representa o método de governar que condena o Estado e o povo gaúcho ao atraso, que faz com que o Rio Grande seja cada vez mais confundido com o arcaísmo e menos com o futuro.

2. Outro poder de Estado, o Judiciário, na pessoa da juíza Aline Santos Guaranha, da 7ª Vara da Fazenda Pública de Porto Alegre, aparentemente também portadora da tendência obtusa de perceber a realidade como o governador Sartori, concedeu ao governo estadual uma muito singular ordem de reintegração de posse.

Ela colocou o bem material acima da garantia da vida humana; fato coerente com a hermenêutica da juíza. Afinal, para ela, as coisas, o trânsito e os prédios valem muito mais que a maioria destas pessoas miseráveis e sem-teto que ela manda desalojar a qualquer hora do dia e da noite com frio e chuva e que recebem, em todo o ano, menos do que a classe da juíza ganha por mês só através de um obsceno auxílio-moradia.

A juíza determinou “o cumprimento da ordem aos feriados e finais de semana e fora do horário de expediente, se necessário, evitando o máximo possível o transtorno ao trânsito de veículos e funcionamento habitual da cidade”, e também autorizou o emprego de violência policial.

Se o Tribunal de Justiça do RS validar “o cumprimento da ordem aos feriados e finais de semana e fora do horário de expediente” e de violência para o desfecho de conflitos sociais, estará validando o arbítrio como resposta aos conflitos existentes no interior da sociedade, o que é típico de regimes de Exceção.

3. A atrocidade da Brigada Militar é raramente vista. A corporação da polícia militar tem uma cadeia de comando que começa no [1] Comandante-Geral da BM, passa pelo [2] secretário de segurança Cézar Schirmer, e termina no [3] governador do Estado, comandante supremo da BM, de acordo com a Constituição Estadual de 1989.

A Brigada foi atroz com os integrantes e com as organizações apoiadoras dos Lanceiros Negros, numa demonstração inequívoca de que a repressão e a truculência substituíram o cérebro.

A BM também foi atroz com a Assembléia Legislativa do RS, que teve um dos seus deputados, o Presidente da Comissão de Direitos Humanos, Jefferson Fernandes, agredido, arrastado, algemado, seqüestrado e enfiado num camburão da BM que circulou pela cidade para finalmente “desová-lo” em frente ao Theatro São Pedro, ao lado da Assembléia Legislativa.

O deputado foi alvejado com bala de borracha na perna, torturado, espancado e xingado enquanto mantido no camburão com outras duas mulheres também presas ilegalmente. Aliás, outra flagrante ilegalidade da BM, de conduzir homens e mulheres no mesmo veículo usado para detenção.

O presidente da Assembléia do RS, deputado Edgar Pretto, PT/RS, traduziu com equilíbrio e precisão a gravidade do ocorrido: “a Assembléia foi violentamente afrontada com prisão do deputado Jefferson Fernandes”.

Passaram-se mais de 24 horas desde que esta atrocidade foi perpetrada e nem o secretário de segurança, Cézar Schirmer, como tampouco o governador do estado, José Ivo Sartori, se pronunciou sobre o atentado à democracia que fica evidenciado na prisão inconstitucional do deputado Jefferson Fernandes.

Esta atrocidade obedeceu uma cadeia de comando, do Judiciário ao Executivo, num ataque frontal e duplo à soberania popular: reprimindo o povo diretamente na desocupação, e atacando a soberania popular representada no mandato parlamentar.

Estivéssemos vivendo um Estado de Direito, as demissões do comandante-geral da BM e do secretário de segurança seriam os dois últimos atos assinados pelo governador Sartori antes da assinatura da renúncia ao cargo que ele tanto envergonha.


Postado em Luis Nassif Online em 16/06/2017





















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A boa vontade que falta no Brasil de hoje



latuff/brasil247


Leonardo Boff


Na sociedade brasileira atual grassa uma onda de ódio, raiva e dilaceração que raramente tivemos em nossa história. Chegamos a um ponto em que a má vontade generalizada impede qualquer convergência em função de uma saída da avassaladora crise que afeta toda a sociedade.

Immanuel Kant (1724-1804), o mais rigoroso pensador da ética no Ocidente moderno, fez uma afirmação de grandes consequências, em sua Fundamentação para uma metafísica dos costumes(1785): "Não é possível se pensar algo que, em qualquer lugar no mundo e mesmo fora dele, possa ser tido irrestritamente como bom senão a boa vontade (der gute Wille)". Kant reconhece que qualquer projeto ético possui defeitos. Entretanto, todos os projetos possuem algo comum que é sem defeito: a boa vontade. Traduzindo seu difícil linguajar: a boa vontade é o único bem que é somente bom e ao qual não cabe nenhuma restrição. A boa vontade ou é só boa ou não é boa vontade.

Há aqui uma verdade com graves consequências: se a boa vontade não for a atitude prévia a tudo que pensarmos e fizermos, será impossível criar-se uma base comum que a todos envolva. Se malicio tudo, se tudo coloco sob suspeita e se não confio mais em ninguém, então, será impossível construir algo que congregue a todos. Dito positivamente: só contando com a boa vontade de todos posso construir algo bom para todos. Em momento de crise como o nosso, é a boa vontade o fator principal de união de todos para uma resposta viável que supere a crise.

Estas reflexões valem tanto para o mundo globalizado quanto para o Brasil atual. Se não houver boa vontade da grande maioria da humanidade, não vamos encontrar uma saída para a desesperadora crise social que dilacera as sociedades periféricas, nem uma solução para o alarme ecológico que põe em risco o sistema-Terra. Somente na COP 21 de Paris em dezembro de 2015 se chegou a um consenso mínimo no sentido de conter o aquecimento global. Ainda assim as decisões não eram vinculantes. Dependiam da boa vontade dos governos, o que não ocorreu, por exemplo, com o parlamento norte-americano que somente apoiou algumas medidas do Presidente Obama.

No Brasil, se não contarmos com a boa vontade da classe política, em grande parte corrompida e corruptora, nem com a boa vontade dos órgãos jurídicos e policiais jamais superaremos a corrupção que se encontra na estrutura mesma de nossa fraca democracia. Se essa boa vontade não estiver também nos movimentos sociais e na grande maioria dos cidadãos que com razão resistem às mudanças anti-populares, não haverá nada, nem governo, nem alguma liderança carismática, que seja capaz de apontar para alternativas esperançadoras.

A boa vontade é a última tábua de salvação que nos resta. A situação mundial é uma calamidade. Vivemos em permanente estado de guerra civil mundial. Não há ninguém, nem as duas Santidades, o Papa Francisco e o Dalai Lama, nem as elites intelectuais mundiais, nem a tecno-ciência que forneçam uma chave de encaminhamento global. Abstraindo os esotéricos que esperam soluções extra-terrestres, na verdade, dependemos unicamente da boa vontade de nós mesmos.

O Brasil reproduz, em miniatura, a dramaticidade mundial. A chaga social produzida em quinhentos anos de descaso com a coisa do povo significa uma sangria desatada. Nossas elites nunca pensaram uma solução para o Brasil como um todo mas somente para si. Estão mais empenhadas em defender seus privilégios que garantir direitos para todos. Está aqui a razão do golpe parlamentar que foi sustentado pelas elites opulentas que querem continuar com seu nível absurdo de acumulação, especialmente, o sistema financeiro e os bancos cujos lucros são inacreditáveis.

Por isso, os que tiraram a Presidenta Dilma do poder por tramoias político-jurídicas, ousaram modificar a constituição em questões fundamentais para a grande maioria do povo, como a legislação trabalhista e a previdência social, que visam, em último termo, desmontar os benefícios socias de milhões, integrados na sociedade pelos dois governos anteriores e permitir um repasse fabuloso de riqueza às oligarquias endinheiradas, absolutamente descoladas do sofrimento do povo e com seu egoísmo pecaminoso.

Contrariamente ao povo brasileiro que historicamente mostrou imensa boa vontade, estas oligarquias se negam saldar a hipoteca de boa vontade que devem ao país.

Se a boa vontade é assim tão decisiva, então urge suscitá-la em todos. Em momento de risco, no caso do barco-Brasil afundando, todos, até os corruptores se sentem obrigados a ajudar com o que lhes resta de boa vontade. Já não contam as diferenças partidárias, mas o destino comum da nação que não pode cair na categoria de um país falido.

Em todos vigora um capital inestimável de boa vontade que pertence à nossa natureza de seres sociais. Se cada um, de fato, quisesse que o Brasil desse certo, com a boa vontade de todos, ele seguramente daria certo.



Postado em Brasil 247 em 24/05/2017




"Dinheiro foi combinado<BR>com Temer"








Absurdos deste nosso país que se encontra a beira do abismo !



PM-SC dá choque em criança de colo e ameaça quem criticou


Eduardo Guimarães
Na tarde de 22 de janeiro último, em Pomerode, Santa Catarina, ocorreu um dos atos de violência policial mais espantosos que já vi que precisa ser denunciado em benefício da contenção de uma polícia tão violenta que é capaz de expor uma criança a risco.
Um rapaz cujo nome não foi divulgado foi levar o filho à casa da ex-mulher. Lá chegando, constata que ela não está em casa e que há policiais no local.
Assim que chega com a criança no colo, é abordado pelos policiais que afirmam que haviam recebido um chamado da mãe da criança, porém sem saber explicar por que razão.
Detalhe: o pai da criança não estava no local na hora do chamado e a casa da mãe da criança estava fechada e vazia.
Nesse momento, do nada, o rapaz recebe ordem de prisão por embriaguez – os policiais afirmam que sentiram “odor etílico” nele e exigem teste do bafômetro, apesar de o carro estar estacionado e de o motorista ser outra pessoa sem o tal “odor”.
O rapaz, ainda com o filho no colo, fica zangado ao ter o ignorado o argumento de que não estava dirigindo e se recusa a fazer o procedimento do bafômetro.
Os policiais começam a gritar, dão choque no rapaz estando ele com o filho no colo.
Assista ao vídeo, abaixo. Prossigo em seguida.


Os policiais ameaçaram a pessoa que gravou o vídeo e tomaram o celular de sua mão. Antes, porém, a pessoa ainda teve tempo de subir o vídeo no Facebook.
O resultado dessa ação é que o rapaz foi conduzido à delegacia e obrigado a se submeter ao teste de bafômetro, o qual não constou alteração, ou seja, o rapaz estava sóbrio e foi liberado. No entanto, apreenderam o carro dele sem nenhuma justificativa, pois os documentos estavam em ordem, o carro é relativamente novo e está em bom estado.
Porém, o mais impressionante é a “explicação” da PM para o caso. Abaixo, a nota da Corporação em Pomerode (SC):
“Circula um vídeo pelas redes sociais que mostra apenas PARTE de toda a ação. Ocorre que, segundo relato dos policiais que atenderam a ocorrência, na tarde de 22 de janeiro de 2017 a guarnição policial militar foi acionada pela Central Regional de Emergência para atender uma ocorrência de violência doméstica e dano, sendo que o ex-marido teria arrombado a porta da residência, com o objetivo de tirar o filho a força da casa da mãe.
No momento em que a guarnição policial chega no local e tenta contato com a solicitante (tocando a campainha onde ninguém atendeu), o ex-marido chega dirigindo o veículo dizendo que queria devolver a criança que tinha pego anteriormente.
O ex-marido se mostrou bastante irritado querendo saber o que a polícia fazia no local e quem que havia chamado, querendo sair com seu veículo a todo instante, oportunidade que logo se constatou o odor etílico sendo exalado pelo ex-marido, além de outros sinais de embriaguez.
Observa-se que os policiais foram PACIENTES, CLAROS e LEGÍTIMOS em suas DETERMINAÇÕES, inclusive quanto à ordem para soltar a criança.
Houve desobediência e resistência por parte do autor (em vários momentos da ocorrência), que infelizmente se utilizava de uma criança (seu próprio filho) como ESCUDO para não acatar as determinações dos policiais e para se livrar das responsabilidades dos atos que até então cometeu.
A preocupação pela segurança e integridade física da criança era constante e o pai continuava a utilizá-la como escudo para não se submeter às ordens legais. Em alguns momentos onde o policial tentava conter o autor e fazer cumprir a LEI, o autor fazia movimentos bruscos e continuava a resistir, apresentando clara conduta de confrontamento.
Em determinado momento em que a posição do autor favoreceu uma ação policial, os policiais agiram para fazer cumprir a LEI e resguardar a INTEGRIDADE FÍSICA de todos os envolvidos, antes que a situação evoluísse ainda mais. Observa-se que a integridade física da criança foi priorizada, vez que foi imediatamente acudida e colocada em local seguro. A força física notória do rapaz, que usava seu próprio filho como escudo, trouxe, ainda mais, complexidade para a ocorrência, exigindo concentração e proporcionalidade na ação dos policiais.
A Polícia Militar é uma instituição séria, confiável, técnica e legalista. Em que pese à princípio não se vislumbrar ilegalidade por parte dos policiais segundo os relatos e imagens, será solicitada a instauração de procedimento investigativo para apuração dos fatos e das responsabilidades, inclusive dos eventuais comentários ofensivos e indecorosos que foram proferidos nas redes sociais de forma injusta e sem conhecimento de causa.”
O texto mal escrito não é o único problema. O problema são as mentiras e o verdadeiro deboche de quem tem olhos para ver e ouvidos para ouvir o vídeo. O rapaz está calmo, com o filho no colo, apenas se recusa a largar a criança porque estava assustada.
Uma parente dele se manifestou nos comentários sob a nota da PM:

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Basta ter olhos de ver. Em primeiro lugar, quando usam um taser em uma pessoa, se ela estiver abraçada com alguém a segunda pessoa também receberá um choque. Eletrocutaram a criança e ainda dizem que “resguardaram” sua integridade física?!!
A voz do rapaz mostra que não estava alterado. Não havia um motivo claro que justificasse tamanha violência. Deveriam ter esperado familiares do rapaz que já se dirigiam ao local – no vídeo é possível ouvir o rapaz pedindo para chamar seu pai.
Não é possível que uma violência desse calibre fique impune. O trauma que essa criança sofreu ao receber um choque e ter visto o pais estrebuchando irá /perdurar para o resto de sua vida.
Mas a cereja do bolo vem agora, para quem não notou. Releia o trecho final do último parágrafo da nota da PM:
“(…) Será solicitada a instauração de procedimento investigativo para apuração dos fatos e das responsabilidades, inclusive dos eventuais comentários ofensivos e indecorosos que foram proferidos nas redes sociais de forma injusta e sem conhecimento de causa
Como é que é? Apurar “comentários ofensivos”? Apurar para que? Vão usar o taser em quem comentou, também? Agora a PM de SC criou crimes de opinião? Eletrocutar crianças não é suficiente?

Postado em Blog da Cidadania em 24/01/2017

O ano em que o capitalismo real mostrou a que veio



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Tudo que nós um dia deveríamos temer sobre o socialismo — desde repressão estatal e vigilância em massa até padrões de vida em queda — aconteceu diante de nossos olhos


Por Jerome Roos, Roarmag | Tradução Gabriel Simões | Ilustração de Mirko Rastić

Nós vivemos em um mundo de ponta-cabeça. Como recentemente colocou um meme amplamente compartilhado, “tudo que nós temíamos acerca do comunismo — que perderíamos nossas casas e economias e seríamos forçados a trabalhar eternamente por salários miseráveis, sem ter voz no sistema — aconteceu sob o capitalismo.” Longe de levar a uma maior liberdade política e econômica, como seus acólitos e a intelligentsia sempre alegaram que seria, o triunfo definitivo do projeto neoliberal se deu de mãos dadas com uma expansão dramática da vigilância e controle estatal. Há mais pessoas no sistema penitenciário dos Estados Unidos do que havia nos Gulags, no auge do terror stalinista. Os servidores da NSA agora podem capturar 1 bilhão de vezes mais dados do que o Stasi jamais pôde. Quando o muro de Berlim veio abaixo em 1989, havia 15 muros dividindo fronteiras ao redor do mundo. Hoje são 70. Em muitos aspectos, o futuro distópico dos romances e do cinema já acontece.

Em sua aposta faustiana de reestruturar sociedades inteiras, alinhada às prerrogativas do lucro privado e crescimento econômico infinito, o neoliberalismo sempre colocou a a mão de ferro do estado firmemente ao lado da mão invisível do mercado. No despertar da crise financeira global, contudo, este conluio entre os interesses privados e o poder público se radicalizou. Giorgio Agamben escreve que estamos testemunhando “a paradoxal convergência, hoje, entre um paradigma absolutamente liberal na economia e um controle estatal e policial sem precedentes, igualmente absoluto.” Ao traçar as origens deste paradigma no surgimento da polícia e a obsessão burguesa em relação à segurança na Paris pré-revolucionária, Agamben observa que “o passo radical foi dado apenas nos nossos dias e ainda está em processo de realização plena.”

Os ataques terroristas de 11/9 e as consequências da Grande Recessão desempenharam um papel importante na catalisação desses desdobramentos, acelerando a “desdemocratização” do Estado em curso e forjando a natureza fundamentalmente coerciva do neoliberalismo em crescente alívio. O resultado, para Agamben, foi o surgimento de uma nova formação política que opera de acordo com sua própria lógica:

O Estado sob o qual vivemos hoje não é mais um Estado disciplinar. Gilles Deleuze propôs chamá-lo de “État de contrôle”, ou Estado de controle, porque o que o Estado deseja não é ordenar e impor disciplina mas sim gerenciar e controlar. A definição de Deleuze está correta, pois gerenciamento e controle não necessariamente coincidem com ordem e disciplina. Ninguém deixou isso tão claro quanto o policial italiano que, após as revoltas de Gênova, em julho de 2001, declarou que o governo não queria que a polícia mantivesse a ordem, mas que gerenciasse a desordem.

O gerenciamento da desordem — este se torna o principal paradigma do governo sob o neoliberalismo. Em vez de confrontar diretamente as causas subjacentes à instabilidade política, à catástrofe ecológica e aos problemas sociais endêmicos, o Estado de controle considera “mais seguro e útil tentar administrar seus efeitos.” Assim, em vez de combater as obscenas desigualdades de riqueza e poder no coração do capitalismo financeiro, o Estado de controle cada vez mais recorre à polícia contra o precariado. Em vez de reverter a exclusão social e a marginalização econômica de minorias historicamente oprimidas, o Estado de controle há muito resolveu hostilizar, assassinar e encarcerar essas pessoas. Em vez de acabar com a pobreza e a guerra, o Estado de controle agora promete agora construir novos muros e cercas para manter afastados os os indesejados migrantes e refugiados. Resumindo, em vez de tentar enfrentar os conflitos e crises multifacetados que a humanidade enfrenta pelas suas causas mais profundas, o Estado de controle se contenta em apenas gerenciá-los.

Se há uma imagem que veio definir este paradigma incipiente de controle, é a falange da polícia de repressão a manifestações — armada com fuzis e apoiada por veículos blindados — preparando-se para o confronto com populações locais quase sempre desarmadas em locais como Rio de Janeiro, Diyarbakir e Standing Rock. Desde a aparência dos policiais até as armas e as táticas empregadas em solo, essas imagens mostram claramente como os espaços internos de segregação do mundo começaram a se assemelhar cada vez mais com uma zona de guerra ocupada. É claro que a semelhança não é mera coincidência: a ação policial não apenas recebe material excedente do complexo militar-industrial, incluindo armas e veículos que teriam sido empregados em verdadeiras zonas de guerra, como também começou a aplicar métodos militares de contra-insurgência no policiamento de protestos e do espaço urbano, de maneira geral. Na verdade, dois dos quatro esquadrões empregados em Ferguson, em 2014, receberam o seu treinamento em controle de multidões da polícia israelense, a qual aprimorou suas habilidades nos territórios ocupados da Palestina. Sob o neoliberalismo, em resumo, os métodos de ocupações militares no exterior e de uso doméstico pelas polícias locais estão cada vez mais misturados.

O mesmo tipo de fusão ocorre no limiar entre os interesses privados e o poder público, ou entre corporações e o poder estatal. Assim como as exigências de Wall Street se condensam nas prioridades políticas do Fed e do Tesouro Americano, e assim como os interesses dos fabricantes de armas continuam a alimentar as decisões políticas tomadas dentro da Casa Branca e do Pentágono, a capacidade de coleta de dados e controle algorítmico do Vale do Silício rapidamente se integra ao aparato de inteligência e segurança dos EUA. Enquanto isso, os exércitos ocidentais cada vez mais se apoiam em serviços militares privados para prestar apoio e até mesmo exercer funções ativas em combate, como as equipes de segurança privada estão assumindo o papel da polícia, com os primeiros agora superando os últimos numa proporção de 2 para 1 em escala global. Em outras palavras, como o Estado neoliberal expande dramaticamente o seu controle sobre populações cada vez mais rebeldes, dentro e fora de seu país, empresas bem relacionadas estão se inserindo com sucesso na atividade de “gerenciar a desordem” em troca de lucro privado.

Tudo isso culminou no desenvolvimento de novas tecnologias poderosas — desde os smartphones em nossos bolsos até os drones pairando sobre nós — que possibilitam uma intrusão sem precedentes da lógica de poder público-privado em todos os cantos do mundo e em todos os aspectos de nossas vidas. Nunca antes uma miríade de empresas privadas e agências estatais tinha tido tal acesso tão amplo às comunicações e ao paradeiro de tantos cidadãos insuspeitos. E nunca antes um presidente dos EUA teve tanto controle sobre uma máquina de matar tão sofisticada e versátil para as suas ações de assassinatos extrajudiciais. Agora, com uma oligarquia autoritária e racista na Casa Branca, além de demagogos de direita igualmente perigosos aguardando a sua chance na Europa e boa parte do resto do mundo, a questão que inevitavelmente surge é como iremos nos defender deste Estado de controle que tudo vê e devora, com o seu ímpeto intrínseco de contínua autoexpansão e seu completo desprezo pelos direitos humanos mais básicos e pelas liberdades políticas.

A quarta edição da ROAR Magazine considera esta questão à luz dos desdobramentos profundamente problemáticos dos últimos anos. Ela examina as várias novas tecnologias de controle estatal e as formas inovadores de resistência que surgem contra elas. Traçar os contornos do neoliberalismo autoritário conforme ele mostra a sua cara feia ao redor do mundo oferece tanto uma avaliação distópica de nosso atual momento político quanto uma visão radical para libertação coletiva e transformação social para além do Estado de controle. Se tudo o que nós um dia tememos sobre o comunismo aconteceu sob o capitalismo, talvez seja o momento certo de começarmos a pensar em alternativas democráticas anticapitalistas.



Postado em Outras Palavras em 21/12/2016



O vídeo dos estudantes apresentado na OEA


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Jornal GGN - O vídeo abaixo foi apresentado à Comissão Interamericana dos Direitos Humanos da OEA - Organização dos Estados Americanos, no dia 7 de abril passado.

O vídeo retrata a ação da Polícia Militar de Geraldo Alckmin, comandada à época pelo hoje ministro, Alexandre de Moraes. A truculência impera. 

Os jovens descrevem momentos de terror nas mãos desses policiais descontrolados violando seguidamente os direitos humanos e sob as bençãos da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo.

Fonte: Mídia Ninja





Postado em Luis Nassif Online em 04/11/2016