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O problema não é Bolsonaro, é esse Brasil por trás dele que não sabia existir, diz Mia Couto


Por Adriana Brandão

O “Mapeador de Ausências”, último romance do moçambicano Mia Couto, acaba de ser traduzido para o francês. O livro, que chegou às livrarias da França no início de setembro, foi selecionado para o importante prêmio literário Femina. O escritor veio a Paris participar da promoção do romance, publicado na França pela editora Métailié e traduzido por Elisabeth Monteiro Rodrigues.

Mia Couto, que se define como um “poeta que tem a ousadia de entrar no universo da ficção”, é um dos maiores escritores contemporâneos em língua portuguesa. Ele é autor de mais de 30 livros, traduzidos em mais de 30 países, e muitas vezes pressentido para o Nobel de Literatura.

“O Mapeador de Ausências”, em francês “Le cartografe des absences”, foi publicado em português em 2020. O romance conta a história de um intelectual e poeta moçambicano branco que volta à sua cidade natal, Beira, em busca de seu passado. A viagem acontece sob a ameaça iminente do ciclone Idai, que destruiu a região em março de 2019.

A história, narrada no estilo poético e polifônico que caracteriza a obra de Mia Couto, navega entre duas linhas temporais, o presente às vésperas do ciclone e o começo dos anos 1970, época da guerra pela independência de Moçambique, ainda colônia portuguesa. No centro do livro está um massacre, o massacre de Inhaminga.

Nesta entrevista à RFI, Mia Couto confirma que este é o seu livro mais autobiográfico, mas que usa a própria história para contar como era esse tempo que os moçambicanos chamavam de “Guerra de Libertação Nacional” e os portugueses de “Guerra Colonial”.

Falsas ausências

As ausências de que fala o título, “são falsas ausências”. São as ausências do pai, jornalista e poeta, engajado na luta contra a colonização e perseguido pela polícia política, e de pessoas que foram invisibilizadas no passado, como a população negra, mulheres e homossexuais. O escritor resgata a história de seu país, mas não “como uma missão”. Mia Couto diz que essa história oficial “tem um exercício de esquecimento” fascinante e que escreve para “construir uma outra versão”.

Nessa e em outras de suas obras, ele aborda os paradoxos do colonialismo e nessa entrevista faz um paralelo com o Brasil, que ele considera como uma segunda pátria: “Em Moçambique, e mesmo no Brasil, a herança colonial persiste”. O escritor moçambicano tem uma relação estreita com a cultura brasileira e comenta com frequência a atual situação política no país. Ele avalia que o Brasil está diante de uma “escolha quase de civilização. O problema não é só o Bolsonaro, o problema é tudo que está por trás do Bolsonaro, esse Brasil que eu não sabia que existia e que existia com tanta dimensão”.

RFI: Mia Couto “O Mapeador de Ausências” é o seu livro mais autobiográfico?

Mia Couto: Sim. Eu não sabia, quando comecei o livro, o que ele iria ser, mas sabia que eu ia percorrer esse meu passado sempre com a intenção de que, ao trazer esse passado, eu não estaria contando a minha própria história; eu estaria usando a minha história do que foi esse tempo, que foi na minha cidade um tempo muito rico porque a ‘Guerra Colonial’, como os portugueses chamavam e nós chamávamos de ‘Guerra de Libertação Nacional’, dividia a população em dois mundos. Mas os dois mundos enlouqueceram porque para uns era o anúncio de um certo futuro, um futuro luminoso, e para outros o anúncio do fim do mundo.

Que ausências são essas que o personagem mapeia?

MC: São falsas ausências. (O livro) começou pela ideia que havia que meu pai tinha sido um pai ausente, que não deixou marca. Na verdade, essa minha visita que eu faço agora à cidade para fazer esse livro ela ressuscita a presença do meu pai, fundamental. Da mesma maneira, alguma coisa no meu passado me foi entregue como sendo invisível, como sendo não existente. Portanto, quando eu conto a história desse lado ausente do meu pai, eu conto também a história daqueles que foram tornados ausentes, no sentido de tornados invisíveis no passado.

No centro deste livro está um massacre, o massacre de Inhaminga. A história de Moçambique, este país que como você escreve em “O Mapeador de Ausências” tem memória curta, lhe inspira e está presente em praticamente todos os seus livros. Resgatar essa história é seu objetivo?

MC: Sim, mas não como um sentido de missão. Eu não me apresento com essa intenção. Essa história tem um exercício de esquecimento que me entusiasma. Me fascina como o esquecimento é uma construção ficcional, no fundo. Não é um lapso, não é uma ausência. Eu dialogo com esse aparente vazio que se criou sobre a escravatura, sobre a colonização, sobre a guerra civil depois da independência, para construir uma outra versão da história.

Você começou a escrever o romance desse regresso ao passado, à infância, antes do ciclone. Por que decidiu incorporar à catástrofe à sua narrativa?

MC: O ciclone apareceu e, de alguma maneira, ele vai perturbar e trazer um final para essa história. De fato, o livro já estava muito adiantado quando aconteceu o ciclone e como tu podes imaginar, meses antes não fazíamos ideia nenhuma do que ia acontecer. Mas nessa altura, eu sobrevoei a cidade, quando os aviões puderam começar a sobrevoar a cidade, e eu chorei no avião porque eu não vi a minha terra. A terra estava submersa. Sabia-se que ali estava a terra porque havia árvores que emergiam daquela superfície da água e para mim era um sinal. Eu perdi o chão da minha vida. Tudo aquilo que dava fundamento, sustento, essa coisa da ligação com a terra, estava cortado e eu pensei: ‘se calhar isso é um sinal de que esse livro tem de fazer o regresso aquilo que era antes’.

Perdeu o chão que o personagem tenta recuperar?

MC: Sim, era como se eu e meu personagem estivéssemos a trabalhar juntos nesse ciclo, no desfecho desse ciclo.

O personagem principal é poeta, que vai em busca da memória do pai, também poeta. Sua narrativa em prosa é caracterizada como poética. Você se sente mais poeta ou romancista?

MC: Eu sou um poeta que tem a ousadia de entrar no universo da ficção. Mas eu não acredito muito nessas fronteiras. Quem pensou na fronteira entre a prosa e a poesia não era certamente nem prosador nem poeta, alguém outro.

O seu penúltimo livro traduzido para o francês, também por Elisabeth Monteiro Rodrigues, “As areias do Imperador”, foi uma nova versão do original. Neste, também há a advertência de que a tradução foi feita a partir do original revisado por você. As traduções são uma oportunidade de reescrita?

MC: Sem dúvida, sobretudo quando se trabalha com uma tradutora da qualidade da Elisabeth que dialoga com o autor, que se interroga sobre coisas que às vezes passaram ao autor, ao revisor, ao primeiro editor do livro. Ela descobriu algumas incoerências que era preciso resolver. Em todos os casos, um tradutor reescreve um pouco um livro. Não há uma coisa chamada passagem de uma língua para a outra que seja completamente inocente, isto é, ela tem de reescrever em francês às vezes como se fosse ela própria a autora dessa versão.

Os paradoxos da colonização continuam te interpelando e seu próximo livro vai abordar as agruras de um colonizador português?

MC: É que a gente fala da colonização, do fenômeno colonial, como se fosse uma coisa do passado. Mas a colonização não foi superada no sentido da relação colonial que se tem com esses países ou que eles têm consigo próprios. Nós vemos em Moçambique e mesmo no Brasil, que tem 200 anos de independência, como essa herança colonial persiste e se quer reproduzir. Pode haver uma ruptura ao nível político. O país pensa que tem uma bandeira, tem um hino, mas do ponto de vista da sua relação com o mundo, da sua relação interior, de como as pessoas se definem numa certa hierarquia racial, social, tanto um como outro país que estou citando agora, Brasil e Moçambique, continuam a ter fortemente presente essa herança colonial.

Você tem com frequência comentado a situação política no Brasil. O que achou do resultado do primeiro turno?

MC: Eu, como tenho uma natureza pessimista, tinha uma grande esperança, mas não tinha uma grande convicção de que o Lula fosse ganhar. Acho que posso falar à vontade porque eu não sou brasileiro, não tenho que tomar opções partidárias, mas neste caso estamos perante uma situação que temos um candidato, que é o Lula, que representa a democracia, que representa o respeito pelas instituições, pela vida. Portanto, acho que a escolha agora não é só uma escolha política, mas uma escolha quase de civilização. Eu esperava muito que o Lula ganhasse, mas eu tinha também algum receio porque o problema não é só Bolsonaro, o problema é tudo que está por trás do Bolsonaro, esse Brasil que eu não sabia que existia e que existia com tanta dimensão.

Você falou das semelhanças entre Moçambique e Brasil, você teme que aconteça em seu país a mesma coisa que no Brasil?

MC: Acho que não é a mesma situação. Acontece em Moçambique um terrorismo de uma facção religiosa, do extremismo islâmico. O que existe no Brasil é um extremismo religioso também. Muito daquilo que é política no Brasil vem da força que essas igrejas evangélicas vêm tomando. Eu não sei dizer, não posso vaticinar nada, mas preocupa muito como isso cresça (em Moçambique), ao lado do reforço de um armamento da população. Portanto, há ali potencial para que se crie uma situação que pode ser mais violenta que o Brasil, que hoje já não é tão pouco violento assim.

No início de “O Mapeador de Ausências”, o personagem está deprimido e volta à cidade natal para tentar resolver esse problema e conseguir dormir. Você diz que é o seu livro mais autobiográfico. Como está o Mia Couto hoje?

MC: Na altura, eu percebi que eu não estava bem, que realmente, como acontecia com esse personagem, eu tinha dificuldades em ler, em me concentrar, em escrever e isso me preocupava muito. E quando fui ao médico, ele me disse que eu estava deprimido. Eu fiquei muito surpreendido porque eu tenho um temperamento que pensa que eu estava livre dessa condição, mas eu acho que não fico preocupado com isso, eu enfrento isso. Num mundo que está tão deprimido ele próprio, nenhum de nós pode estar normal. Há sempre uma ferida que fica olhando a situação de um mundo que a gente não sabe prever, não sabe entender.

Como diz um de seus personagens no final do livro, você tem de contar sua própria história para superar?

MC: Exatamente. A contação da sua própria história tem um efeito terapêutico enorme sobre nós próprios e sobre os outros, quer dizer, se eu escutar a sua história, eu fico melhor também. É uma espécie de um abraço que a gente dá.”

Você já ganhou vários prêmios literários, como o Camões, o principal prêmio da língua portuguesa. Este ano, aqui na França, você foi selecionado para os importantes prêmios “Femina” e “Melhor Livro Estrangeiro” e foi cotado para o Nobel. Qual é a sua expectativa?

MC: Nenhuma! Eu tenho essa relação com os prêmios que para mim eles não existem e quando existem, quando acontecem, obviamente eu fico muito feliz, mas não estou à espera deles. É uma espécie de um desencontro antecipadamente assumido.




Texto originalmente em RFI

Nota 
Os grifos, em amarelo, no texto acima foram feitos por mim. 
( Rosa Maria - Editora do Blog )


Bolsonarismo é massacrado nas redes após entrevista, aponta cientista de dados

 


 


Para ler clique no link abaixo :

Todas as mentiras de Bolsonaro no Jornal Nacional

 







Em curso um golpe antijurídico para salvar a parcialidade de Moro. Por Lenio Streck


Sérgio Moro e Lenio Streck


Publicado originalmente no site Consultor Jurídico (ConJur)


LENIO LUIZ STRECK

Este texto poderia ter apenas algumas linhas. Elas comprovam o lawfare. O uso político-estratégico do Direito pela Lava Jato.

Leiamos a matéria da ConJur que se mostra fiel aos fatos ocorridos nos dias da prisão de Lula (aqui):

No dia 7 de abril de 2018, a procuradora Lívia Tinoco, diretora cultural da Associação Nacional dos Procuradores, parafraseava o ex-presidente Lula, que, antes de se entregar para ser levado à sede da Superintendência da Polícia Federal em Curitiba, Lula disse: “Fico imaginando o tesão da Veja colocando a capa comigo preso. Eu fico imaginando o tesão da Globo colocando a minha fotografia preso. Eles vão ter orgasmos múltiplos”.

Tinoco então escreve em um grupo com procuradores, a sua versão parafraseada:

TRF, Moro, Lava Jato e Globo tem um sonho: que Lula não seja candidato em 2018 […] E o outro sonho de consumo deles é ter uma fotografia dele [Lula] preso para terem um orgasmo múltiplo, para ter tesão”.

(…)
 
“Língua felina [ferina]! tomou umas no churras e ainda não passou. Bebeu nada. Tá espertão. Disse que vai cumprir o mandado. Sim. Vai se entregar. Falando que não tem mais idade para pedir asilo”.

Poderia parar. Todas mensagens reveladas por autorização do STF são autoexplicativas.

Mas, por dever de professor, advogado e ex-procurador de Justiça, sigo. Para dizer que li, estarrecido que:

“Ganha corpo no meio jurídico tese alternativa capaz de cravar a suspeição de Sergio Moro, porém sem devolver os direitos políticos a Luiz Inácio Lula da Silva. No STF, por exemplo, alguns ministros entendem que, pelo fato de a condenação do ex-presidente no caso do sítio em Atibaia ter sido assinada pela juíza Gabriela Hardt, a eventual suspeição do ex-juiz da Lava Jato não anularia esse veredicto, apesar de Moro ter tocado parte do processo: Lula permaneceria barrado das eleições. O caso deve ser julgado ainda neste semestre no Supremo.”

Sim, li isso na Coluna do Estadão. A questão é que não se trata de uma “tese alternativa” no “meio jurídico”. Trata-se de uma “tese” política. Simples assim. Há que ser direto. Cada coisa tem um nome.

Essa pretensa “tese alternativa” (sic) não passa de um puxadinho hermenêutico que rebaixa o Direito à política. Coloca o Direito na segunda divisão. Se fizerem isso, abriremos mão de qualquer ideia de institucionalidade.

Por quê? Ora, não sou ingênuo. Porque é Lula (lembremos da fala da procuradora Lívia Tinoco). É óbvio. O problema? Para o Direito, não deve importar quem é o réu. Esse é o grande ponto. Dizem que aqueles que se opõem à conduta antijurídica de Moro “defendem Lula”. Ora, quem “luliza” a questão é justamente quem dá um jeito de defender o que fez o juiz Moro. Ou de deturpar princípios básicos que fazem o Direito ser o que é, para dar uma volta toda e achar uma “solução” que não desagrada os politiqueiros — sob pena de não solucionar nada.

O que estão tentando fazer é enterrar o processo penal. Bom, se pensarmos bem, parte da dogmática processual penal brasileira (hoje tomada por facilitações e discursos prêt-à-porter) nunca se preocupou, mesmo, com as garantias. Nas faculdades não se ensina processo penal. Ensina-se uma péssima teoria politica de poder. As faculdades formam pessoas que, fossem da área médica, fariam passeatas contra vacinas e contra antibióticos. Aliás, nunca foram formados tantos reacionários e fascistas nas faculdades de Direito como nos últimos quinze anos.

Se vingar a “tese alternativa” (sic), as garantias constitucionais podem ser dispensadas. Parcialidade já não é parcialidade. Querem cindir o momento da produção daquele pertinente à avaliação da prova. Ora, respondo: um juiz suspeito, parcial, que articulou com a acusação a condenação de réus, contamina todo o processo.

Ora, é bom que os adeptos da tese do “puxadinho” saibam que a questão é bem mais complexa em termos processuais:

(i) Todas as mensagens mostram que houve conluio entre juiz e acusação. Isso está cravado, para usar a linguagem do Estadão.

(ii) Assim, se o juiz se fez de acusador, já na própria investigação feita pelo MPF existe uma ilicitude originária.

(iii) Isto porque tanto a investigação como a denúncia e a instrução processual (esta presidida por Moro) são nulas, írritas.

(iv) Não há puxadinho que resolva, com ou sem a juíza Hardt.

(v) E não se diga que as mensagens são produto de prova ilícita. A uma, o ministro Lewandowski já falou que foram periciadas; a duas, porque mesmo ilícitas, ainda assim podem ser utilizadas a favor da defesa, como se aprende em qualquer faculdade, mesmo nessas que formam reacionários.

A tese do “puxadinho”, baseada, segundo a coluna do Estadão, no fato de que foi uma juíza quem condenou — no caso do sítio de Atibaia — com base nas provas de outro juiz e que, por isso, haveria dois tipos de análise, é processualmente inconsistente e inconstitucional. Quer dizer, se entendi bem, se um juiz faz de tudo durante a investigação do MP e continua fazendo na ação penal, combinando prova com a acusação e quebrando acordos internacionais (para dizer pouco), basta que, depois, venha outro e prolate a sentença, copiando, inclusive a do antecessor? É isso mesmo?

Vamos falar a sério. Judge Moro’s bias: let’s take it seriously, para imitar o título de um livro de Dworkin, Taking Rights Seriously. E vamos levar a sério isso que estou dizendo sobre levar a sério o Direito. Quem pensa que o Direito não vale nada e que é só uma instrumentalidade, peço que pense no futuro. E, quem sabe, possa dar uma chance ao rule of law. Um rule of law de verdade e não o “rollo off law” praticado pelo juiz Moro.

Numa palavra: não dá para salvar o insalvável.

POST SCRIPTUM: De como o procurador Dallagnol confessa que o processo foi político! E chama garantias de “filigranas”!

Vamos falar a sério? O acusador chama o réu, desdenhosamente de “nove”, fazendo alusão ao dedo do réu que foi cortado em acidente de trabalho. Normal?

Juiz e acusadores fazem parte de um grupo de discussão; o juiz informa que decretou prisão temporária de um réu e que para a preventiva precisa melhorar. Normal?

Um procurador diz que o vazamento das conversas de Lula e Dilma eram ilícitas (Andrey Mendonça); Dallagnol diz: isso é filigrana dentro do contexto maior que é política (sic); outro procurador, Januário, também diz que que contestar o vazamento é “filigrana”. Normal?

O grupo de discussão era tão unido que o juiz pergunta ao procurador DD se não era caso de pedir à Ajufe fazer nota oficial. Normal?

E tem mais. Muito mais. Muito mais. A mensagem transcrita no início deste artigo, de responsabilidade da procuradora Lívia, nada mais faz do que dar o tom do imaginário força tarefa e operação lava jato. Parcialidade na veia.

Registro importante: tudo o que falei aqui é material periciado. Portanto, é oficial, é verdadeiro. Deveria haver uma tarja nesse dossiê: “É expressamente proibido mostrar este material para professores de processo, constitucionalistas e estudantes de direito”.

E bula: Se persistirem os sintomas, a Constituição deverá ser consultada!





Lenio Streck

Lenio Luiz Streck é um jurista brasileiro, conhecido principalmente por seus trabalhos voltados à filosofia do direito e à hermenêutica jurídica. É professor dos cursos de pós-graduação em Direito da Universidade do Vale do Rio dos Sinos e atua como advogado. Wikipédia









O Buraco Negro está aqui, engolindo Lulas e Assanges






Neto Tavares

O buraco negro é uma enorme quantidade de massa concentrada em um espaço assaz reduzido. Seu campo gravitacional é tão forte que ele atrai para si tudo o que se aproxima dele, inclusive a luz.

Incarna-se como tal, alegoricamente, o movimento obscurantista mundial que nos assola à présent. Na seara geopolítica global, as forças totalitárias contemporâneas parecem engolir para seu corpo caótico o progresso civilizatório, manifestado, por exemplo, através das tradicionais e novas ciências, do bom senso moral dos indivíduos, da liberdade de se expressar, de denunciar descalabros – como os crimes de lesa-humanidade cometidos no Iraque e no Afeganistão - fabricados nos porões do Deep State americano e também por uma política que conseguiu dignificar ao menos trinta milhões de pessoas que sofriam com a fome.

Alongando a metáfora, é sabido que dentro de um buraco negro o espaço-tempo é deformado. Por que não, por conseguinte, acatar a possibilidade de que voltamos aos tempos da escravidão e do colonialismo, encampados pelo falso e subserviente Messias, da caça às bruxas e à idade da força bruta, exemplificadas pela destruição de um projeto soberano de poder e pelo assassinato do direito de asilo e da legítima liberdade de expressão?

Lula e Assange são duas faces da mesma gigantesca moeda americana. Estão os dois incrivelmente ligados nesse processo de aniquilação das vozes progressistas imprimido pelas forças mais maquiavélicas do buraco negro.

O novo processo de tomada da América Latina pelos Estados Unidos (também conhecido como Make Latin America Quintal Again), evidenciado pela destituição de Dilma, pelas perseguições a Rafael Correa e Cristina Kirchner, com o cerco à soberania venezuelana e especialmente pela prisão de Lula, foi brilhante e veementemente denunciado por Julian Assange. Os vinte e nove grampos de telefones do governo Dilma, revelados pelo Wikileaks, são outra bela amostra da força caoticamente avassaladora do Deep State. 

Desse maneira e por conseguinte, a decadência do império gerador do buraco negro terráqueo o faz agir com a mão pesada. Praticam, “karmicamente”, a pior forma de terrorismo. Atentam contra o jornalismo investigativo, assassinam as leis do direito internacional e a soberania das nações. Estrangulam com a mão da “democracia” o pescoço da liberdade (precisa frase de Maria Zakharova, representante da chancelaria russa).

Nesse mesmo tom, Chomsky, visceral como de costume, afirmou que a caça a Assange é bastante similar à que sofreu e continua sofrendo Lula. Segundo ele, há uma tentativa de silenciar as vozes de ambos, lembrando da prisão de Gramsci sob o fascismo. Chomsky ressalta a proibição de Lula fazer declarações públicas e afirma que "ele é o prisioneiro político mais importante do mundo. Você ouve alguma coisa [na imprensa] sobre isso? Bem, Assange é um caso similar: temos que silenciar essa voz."

A exacerbação do poder geoestratégico dos EUA, c’est à dire a perseguição covarde que se manifesta na tentativa de silenciamento das duas vozes mais ressonantes atualmente no que diz respeito à luta pelo estabelecimento de uma sociedade mais transparente e igualitária é, muito provavelmente, o último esforço de um imperialismo capenga que sente mas não aceita a ascensão inexorável da China ao posto de primeira potência mundial. Sem falar dos russos, que detêm o maior poderio militar e que trabalham eficazmente com os chineses no projeto Euroasiático.

É incontestável que o buraco negro sugou, nestes nossos tempos nebulosos, este cordão de elevação civilizatória umbilicalmente ligado de Lulas a Assanges (ou vice-versa). O lawfare produzido contra esses dois gigantes personagens deste século e muito bem denunciado por Geoffrey Robertson, advogado de ambos (coincidência?), é mais uma batalha vencida pela força tirânica. Só que a guerra pelo domínio do discurso político está longe do seu fim. Esta luta é secular.

Prefiro, assim, acreditar na teoria de Stephen Hawking sobre a possibilidade de chegarmos a outros universos depois da passagem por um buraco negro. "Se cair em um buraco negro, não se renda", disse Hawking em uma entrevista coletiva em Estocolmo, na Suécia. "Há uma saída." Em 2004, Hawking surpreendeu o mundo com um novo estudo, denominado O Paradoxo da Informação em Buracos Negros, em que mudava sua própria versão: em vez de absorver tudo, os buracos negros permitem que certas radiações escapem. Deste modo, um buraco negro deixaria de ser o poço infinito que destrói tudo o que cai nele, e sua fronteira não estaria tão definida como se pensava.

As luzes radiantes de Lula e Assange são tão potentes que conseguirão escapar desse buraco para o qual a humanidade foi haurida. Criarão, com a ajuda de todos nós perseguidos políticos, um processo cósmico que desencadeará num universo mais humano, sincero, verdadeiro, respeitoso e igualitário.



Neto Tavares   Neto Tavares  -  Formado em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco. Estágio no Tribunal de Contas de Pernambuco. Advogado com ênfase em Direito Constitucional.













Michio Kaku. “ O nosso mundo está destinado a morrer, deveríamos ir para outros . . ."




O ser humano vai abandonar a terra? Por que não? Responde o físico Michio Kaku em entrevista concedida ao site 52 Insights, de Londres. Para esse importante cientista norte-americano de origem japonesa, podemos estar assistindo ao início de uma mudança civilizatória que irá nos levar às estrelas. A nós, em carne e osso, ou, mais provavelmente, aos nossos duplos digitais. 


Fonte: Site 52 Insights, de Londres


O mundo das unidades de informação quântica produz números que dão vertigem. Ao passar dos kilobits para os petabits, dos l e O para os qubits (a unidade de base dos computadores quânticos), descortina-se um futuro tão imenso e complexo que futuristas famosos – como Ray Kurzweil, Max Tcgmark e também Michio Kaku, cofundador da Teoria das Cordas e autor de vários bestsellers – começam a se preocupar com isso. Kaku é um dos cientistas mais populares dos EUA e um dos poucos investigadores da atualidade capazes de se expressar numa linguagem científica compreensível para a maioria de nós.


O físico norte-americano Michio Kaku


A sua mais recente mensagem nos chega sob a forma de um trabalho prospectivo intitulado The Future of Humanity (O Futuro da Humanidade). Esse livro dá um vislumbre de um futuro em que a ciência e as novas tecnologias nos darão poderes tremendos que nos forçarão a reavaliar o nosso lugar no Universo.

Um futuro em que colônias humanas viverão em Marte, onde não seremos a única forma de vida inteligente, onde a imortalidade deixará de ser uma fantasia inatingível e onde viremos a ter capacidade para colonizar outros universos.

No entanto, como aponta Michio Kaku, isso significa abandonar o que em breve se tornará um planeta inabitável. É aqui que começa a nossa indagação.

52 Insights – O seu trabalho anterior, A Física do Futuro (de 2012) abriu-me os olhos consideravelmente e, desde então, vivo fascinado pela escala de Kardashev (ver Nota de Redação). Você prossegue na mesma linha com este novo livro, onde explica que estamos nos movendo lentamente no sentido de uma civilização de “Tipo 1”. Pode explicar o que isso significa e por que, em breve, poderemos ser forçados a deixar a Terra, para garantir a nossa sobrevivência?

Michio Kaku – Uma civilização de tipo 1 é também chamada planetária, porque controla todas as fontes de energia de um planeta. Controla, por exemplo, toda a luz do sol que atinge o seu planeta, controla a meteorologia. Dentro de apenas 100 anos, chegaremos a esse estágio. É muito fácil calcular a produção total de energia do globo e daí a energia de uma civilização de tipo 1. Ao faze-lo, percebemos que nos tornaremos uma civilização planetária por volta do ano 2100. Depois, quando passarmos a dominar todo o poder energético de uma estrela, teremos uma civilização estelar, ou de tipo 2. Poderemos então brincar com as estrelas. Para dar um exemplo, a série televisiva Star Trek (Jornada nas Estrelas), com a sua Federação dos Planetas Unidos, podia potencialmente formar uma civilização de tipo 2. O próximo passo são as civilizações de tipo 3, semelhantes às de A Guerra das Estrelas. Cada civilização está separada da anterior por um fator de cerca de dez bilhões: tomando a potência energética de uma civilização, multiplica-se esse número por dez bilhões e obtém-se a potência energética da civilização seguinte.




Por que é importante falar sobre isso agora?

Porque estamos prestes a nos tornar uma civilização de tipo 1. A internet é a primeira tecnologia de tipo 1 que tem uma dimensão verdadeiramente planetária, é a primeira a espalhar-se por toda a Terra. Para onde quer que olhemos, observamos culturalmente a prova dessa transição. É por isso que a internet é tão importante. Uma civilização de tipo 0 ainda transmite toda a selvageria ligada à sua recente saída do pântano. A nossa continua marcada pelo nacionalismo, pelo fundamentalismo… Mas quando chegarmos ao estágio de uma civilização de tipo 1, teremos eliminado a maioria desses problemas. Quando chegarmos ao tipo 2, nos tornaremos imortais: nada cientificamente conhecido destruirá uma civilização de tipo 2.

O futuro que descreve no seu livro é vasto e expansivo. Está repleto de ideias audaciosas e possibilita todos os tipos de proezas técnicas e cientificas: naves capazes de adaptar planetas ao modo de vida dos terráqueos, imortalidade, civilização avançada. Mas também é um enorme salto no desconhecido, não é?

Isso mesmo. No entanto, eu sou um cientista, por isso posso começar a quantificar o desconhecido. Se fosse um escritor de ficção científica, apenas poderia fantasiar sobre uma série de tolices contrárias às leis da física. Mas sou um físico, conheço o rendimento energético e os requisitos dessas tecnologias.




Vejamos uma das ideias que menciona, a “laserportação”, por exemplo. Pode explicar o que isso significa, de forma sucinta?

Até ao final do século, vamos ser capazes de nos digitalizarmos. Tudo o que sabemos sobre nós próprios e a nossa personalidade e até mesmo as nossas memórias será convertido em dados digitais. Neste momento, o Human Connectome Project, que o Presidente Obama ajudou a lançar, está trabalhando no mapeamento de todas as conexões internas do cérebro.

Cada um de nós já deixa uma pegada digital. Todas as nossas transações com cartões de crédito, as nossas fotografias no Instagram, os nossos vídeos… Isso já representa uma significativa informação digital. Mas, perto do final do século, será o próprio cérebro que vai deixar a sua marca. Vamos ser capazes de criar uma imagem compósita de quem somos. Vamos poder digitalizar essa imagem, carregá-la num feixe de laser e enviá-la para a Lua. Em um segundo, estaremos na Lua, em vinte minutos chegaremos a Marte, em um dia acercamo-nos de Plutão e em quatro anos estaremos perto das estrelas. Sem termos de nos preocupar com reatores de foguetões, sem risco de acidentes, sem efeitos da falta de peso ou de raios cósmicos. Vou ao ponto de dizer que acho que isto já existe. Que há extraterrestres muito mais avançados do que nós, que não se enlatam em discos voadores. Os discos são muito datados. São mesmo muito do século 20! Não. Eles já se laserportam. É possível que já exista uma autoestrada de laserportação muito perto da Terra, através da qual milhões de seres se laserportam através da galáxia, mas somos demasiado estúpidos para perceber isso.

Isso é por estupidez? Ou simplesmente porque estamos ainda a meio caminho entre os tipos 0 e 1 da escala de Kardashev?

Um pouco dos dois. Há uma certa estupidez da nossa parte, porque somos arrogantes. Achamos que sabemos tudo. Acreditamos que, ouvindo sinais de rádio, podemos determinar se existe vida noutro lugar que não na Terra. Para mim, é uma prova de estupidez. Se encontrarmos uma civilização primitiva, é possível que usem Código Morse; mas ao fim de algum tempo, vão ter de começar inevitavelmente a usar todo o espectro eletromagnético. Partimos do pressuposto de que os alienígenas utilizam o Código Morse, que ainda estão no tipo 1. Imaginamos que talvez estejam cem anos à nossa frente. Partimos do princípio de que usam discos voadores. Mas por quê? Isso é tão século 20! A laserportação através da galáxia é um meio muito mais avançado.





A comunidade cientifica levantou objeções a algumas ideias que expõe neste livro?

Não. Sou físico e outros físicos debruçaram-se sobre as minhas ideias. Elas não violam as leis da física. Se fosse o caso, então sim, haveria matéria para tal. Mas não violo as leis da física em momento nenhum. Tudo aquilo de que falo se enquadra nas leis da física.

Creio que uma das ideias fortes do seu livro é que o poder passou das mãos dos governos para as de cidadãos privados. Que pessoas como Jeff Bezos e Elon Musk, por serem multimilionários, são capazes de decidir o destino do mundo. Realmente eles anunciam uma nova era e, hoje, a própria NASA (Departamento da Administração norte-americana para as questões do Espaço e da Aeronáutica) parece ter perdido a sua razão de ser. Será isto o prelúdio de uma era em que os dirigentes das grandes empresas de tecnologia vão definir a orientação do mundo, como sugere no seu livro?

Considero que empresas públicas e entidades privadas podem trabalhar em conjunto. Quando o Presidente Barack Obama cancelou o programa do vaivém espacial, sabia que o setor privado podia ocupar-se disso. A NASA é prudente, porque é uma burocracia. A sua principal prioridade é a segurança. Para um capitalista, é claro que a segurança é importante, mas não é necessariamente a sua maior preocupação. Um empresário quer que as coisas sejam feitas com rapidez e eficácia. Daí que os privados possam trazer novas ideias e imprimir um novo ritmo, fazendo as coisas acontecerem mais depressa do que a NASA. Além disso, a NASA é uma burocracia, acaba tudo em compromisso. Basta pensar no que aconteceu com o setor ferroviário, quando separamos o tráfego de passageiros e de mercadorias: o sistema tornou-se imediatamente mais racional, mais econômico e mais eficiente. Os burocratas queriam o mesmo para todos e o que acabariam por conseguir era nada para ninguém. E foi também assim que a burocracia descarrilou com o programa do vaivém espacial.




Se entendi o que disse, Jeff Bezos, Elon Musk e Richard Branson seriam agora os sonhadores do novo mundo. Eles hoje estão estudando a possibilidade de adaptação de um novo planeta à vida de terráqueos. Pode explicar em que consiste esse processo?

Acima de tudo, o que deve ser entendido é que já estamos hoje transformando a Terra: a terraformação é uma realidade. (Quanto a Marte), podemos avançar por etapas. Primeiro, utilizando metano para aquecer um pouco a atmosfera. A segunda etapa será a de instalar painéis solares para derreter as calotas polares. Uma vez que a temperatura tenha subido seis graus Celsius, desencadeia-se uma reação desenfreada. O aquecimento acelera. É só o que é preciso fazer: aquecer o planeta cerca de seis graus. Atualmente estamos aquecendo a Terra um grau e nem sequer temos consciência disso. Mas em Marte, teremos de elevar a temperatura conscientemente cerca de seis graus. Depois, evidentemente, teremos de tornar Marte habitável, com plantas geneticamente modificadas para poderem vingar na atmosfera marciana, composta por altos níveis de dióxido de carbono.

Teremos também de explorar o gelo para produzir água, e procurar combustível para os nossos foguetes. Modificar geneticamente certas plantas, para que cresçam e nos alimentem, e derreter as calotas polares. Estaremos em condições de iniciar este processo dentro de uns 100 anos. Ninguém considera que possamos fazer isso no imediato, mas será possível dentro de um século; depois de instalada uma colônia em Marte poderemos iniciar esse processo.




É uma ideia muito séria, que começa a se difundir. A perspectiva de sair do nosso planeta vai provavelmente gerar forte ansiedade entre os mais de sete bilhões de seres humanos que somos. Alguns céticos dizem que ir para outro planeta é basicamente abandonar a Terra; mas devemos preparar-nos para isso, porque a Terra já não consegue nos manter. O que acha dessas críticas?

Considero que estão totalmente erradas. Ninguém está dizendo que temos de sair da Terra para ir para Marte. Isso não vai acontecer. Marte está muito distante. Mas é uma espécie de seguro de vida. Penso que as pessoas confundem os alvos nas suas críticas. Deveríamos estar tentando controlar e remediar o aquecimento global na Terra e não em fugir para Marte.

Você parece depositar grande confiança na quarta vaga tecnológica e científica atualmente em curso, ao dizer que vai causar uma nova revolução na riqueza. Mas a saída do planeta e a adaptação de Marte aos terráqueos vão ser acompanhadas por uma arrogância e um ego muito significativos. Teremos de ter cuidado para controlar possíveis abusos. Não lhe parece que precisamos criar uma espécie de tratado?

Sim, acho que devemos criar tratados. Veja o Tratado do Espaço Exterior (formalmente Tratado sobre os Princípios que Regem as Atividades dos Estados na Exploração e Utilização do Espaço Exterior, incluindo a Lua e outros Corpos Celestes), assinado em 1967. Não diz nada sobre indivíduos que reivindiquem direitos na Lua. Mas hoje isso já é possível. Em 1967, se alguém lhe dissesse que um dia o homem construiria o seu próprio foguetão e iria colocar a sua bandeira na Lua, para reivindicar uma parte dela, você acharia que ele estava maluco. E no entanto já chegamos aí. Milhões de pessoas assistiram ao lançamento do foguetão Falcon Heavy (lançado pela SpaceX, em 6 de fevereiro de 2018). Era um foguetão lunar. Quanto custou aos contribuintes? Nada. Nem um centavo. Ninguém podia prever isso em 1967. É por isso que precisamos de novos tratados. Porque a China, por exemplo, também se prepara para ir à Lua; já anunciou que vai implantar lá a sua bandeira. As empresas privadas acabarão por ir também à Lua, mais cedo ou mais tarde. É que não é muito complicado ir até lá. E é por isso que precisamos de tratados. No futuro, as pessoas irão passar a lua de mel na Lua. Vai tornar-se uma atração turística.




Você comenta que explorar toda essa nova tecnologia vai levar-nos a uma era de exploração totalmente nova. Uma professora que cita no seu livro (Sara Seager, astrônoma do MIT – Instituto de Tecnologia do Massachusetts) faz uma declaração fascinante sobre isso e gostaria de ter a sua opinião. “Até agora não descobrimos nenhum outro sistema solar semelhante ao nosso”, diz ela, “e na verdade vimos tantas coisas tão estranhas que os astrônomos não têm teorias suficientes para as explicar. Quanto mais descobrimos o Universo, menos o entendemos. Somos confrontados com uma barafunda incrível.” O que ela realmente pretende dizer com isto?

Quando eu estava na escola primária, nos ensinavam que tudo era simples e organizado. Que o nosso sistema solar era composto por planetas rochosos como Marte ou a Terra, gigantes gasosos como Saturno, e por cometas. Todos os planetas seguiam órbitas circulares e tudo decorria tranquilamente. Essa ideia está hoje totalmente posta de parte.

Claro que as órbitas circulares são necessárias para gerar vida, mas a vida é extremamente rara no Universo. Para que a vida surja, é preciso calma, um ambiente pacífico. Ora o Universo é violento, as órbitas são erráticas, os planetas entram constantemente em colisão uns com os outros. Nós somos uma exceção. É preciso um ambiente estável, para a vida aparecer num planeta. Uma estabilidade de vários milhares de milhões de anos. Todavia, com intervalos de poucos milhares de anos, ocorre um desastre em algum lugar do Universo.




“De toda a vida formada na Terra, 99,9% já se extinguiu. A extinção é a norma. Nós pensamos que a Mãe Natureza é doce e carinhosa, mas ela também sabe ser selvagem e indiferente. A Natureza não se importa que nos tornemos uma simples nota de rodapé no grande livro da história da vida”, diz Michio Kaku.

Então, porque é a Terra tão diferente de todos os sistemas solares que observamos? Porque nos temos vida. São necessárias condições extremamente rigorosas para gerar o ADN. Por exemplo, quando as crianças são informadas de que o Universo é muito antigo, imediatamente perguntam por que ele é tão velho. A maioria das pessoas não sabe o que dizer, não é? Bem, a razão pela qual o Universo é tão antigo é que demorou muito para o ADN aparecer. Não houve ADN logo após o Big Bang; levou 13 mil milhões de anos para o ADN aparecer no nosso cantinho da galáxia.

O fato de termos aparecido e de a Terra ter sobrevivido tanto tempo de forma tão perfeita é estranho, mesmo assim. A sua teoria do multiverso é compatível com esta realidade?

Sim, resolve o problema do “ajuste fino” (Ver Nota de Redação). Parece que o Universo sabia que íamos aparecer. Todas as forças do Universo se ajustaram com precisão, para tornar possível a vida na Terra. Se a força nuclear fosse mais forte, o Sol teria morrido há milhares de milhões de anos. Se fosse mais fraca, nunca teria entrado em combustão. De fato, a força nuclear é a suficiente para produzir a luz solar. 0 que é extremamente raro. Pode examinar a lista toda e encontrar muitas coincidências desse tipo. Portanto, ou Deus existe ou [nos] beneficiamos de uma conjugação de dados incrivelmente feliz.

Pode explicar sucintamente o que é um multiverso?

O Universo é uma bolha. Nós vivemos no invólucro da bolha, a qual está em expansão. É a teoria do Big Bang. Hoje, consideramos que estamos mergulhados num banho de espuma onde coexistem inúmeras bolhas-Universo, que, por vezes, colidem – é a isso que se chama Big Bang. Então, o que aconteceu antes do primeiro verso do primeiro capitulo do Gênesis, quando Deus disse: “Faça-se a luz”? O que aconteceu antes disso? Muito antes disso, houve uma colisão entre universos. A propósito, um dia vamos poder tirar fotografias da infância do Universo, usando detectores de ondas gravitacionais. Dentro de alguns anos, acho que vamos conseguir tirar fotos da infância do Universo. Então, veremos o Universo saindo do útero e poderemos ver um cordão umbilical a ligar o nosso Universo-bebê a uma mãe-Universo.

Neste contexto, você afirmou que as leis da física são “uma sentença de morte para toda a vida inteligente”. Isso porque o Universo acabará por morrer dentro de algumas centenas de milhares de milhões de anos. Quer dizer que, um dia, essas bolhas de sabão vão estourar e dar lugar a novas bolhas?

Não, elas não vão explodir, porque isso contraria a teoria de Einstein; mas vão ficar cada vez maiores e mais frias. Se essa expansão continuar indefinidamente, morreremos de frio. É o chamado Grande Congelamento (Big Freeze). Não temos a certeza dessa evolução, porque ela pode se inverter. Mas, por enquanto, o Universo parece estar acelerando. Vai a toda a velocidade e parece fora de controle. Vai em corrida desabalada.




0 que nos leva, naturalmente, à ideia de que devíamos sair deste Universo – daí os seus capítulos sobre viagens interestelares. Diz que, para conseguir esse tipo de deslocação, podíamos recorrer à energia de Planck. Pode nos dar uma ideia do que é essa energia e de como ela pode nos ser útil?

A energia de Planck é a ultraenergia. Matematicamente, é igual a 10 elevado a 19 GeV (ou seja, 10 elevado a 19 bilhões de elétrons-volt). Isto é, vários milhões de milhões de vezes mais poderoso do que o acelerador de partículas LHC (o Grande Colisor de Hádrons, instalado na Suíça). A um tal nível de energia, o espaço torna-se instável. É como quando se aquece água; a certa altura ela entra em ebulição, não é? Se aquecemos o espaço vazio, ele entra em ebulição. Começam a formar-se bolhas. Só que essas bolhas são universos. A maioria deles explode e regressa ao vazio, nunca mais os veremos; mas alguns estão se expandindo, como é o caso do nosso Universo. Provavelmente, foi assim que começou o nosso Universo. Mas um dia vai ficar tão grande e tão frio, que a vida não será capaz de subsistir. Desaparecerá toda a vida da superfície da Terra. Portanto, a minha posição é a de que, como o Universo está destinado a morrer, devíamos sair dele.

Na situação atual, quais são as nossas possibilidades de sobrevivência nos próximos 100 anos?

De toda a vida formada na Terra, 99,9% já se extinguiu. A extinção é a norma. Nós pensamos que a Mãe Natureza é doce e carinhosa, mas ela também sabe ser selvagem e indiferente. A Natureza não se importa que nos tornemos uma simples nota de rodapé no grande livro da história da vida. Dito isso, acho que somos diferentes dos 99,9% das formas de vida que desapareceram. Os dinossauros não tinham um programa espacial e é por isso que eles não estão hoje aqui. Eles fazem parte dos 99,9% extintos. Quando o asteroide atingiu a Terra, eles não sabiam como reagir. Nós temos um programa espacial, para podermos desenvolver um plano de emergência.

Quando a física quântica foi descoberta, há quase um século, parecia contrária à lógica utilizada até então pelos cientistas para apreenderem o mundo. Acha que uma descoberta equivalente, de um novo tipo de energia ou de um aspeto específico do Universo, poderia mudar a maneira como imaginamos o que, neste momento, somos incapazes de compreender?

Não acho que viremos a descobrir nada fundamental. Se algo surpreendente ou radicalmente novo está para acontecer, deve ser um feito de engenharia, mais do que uma descoberta devastadora para a física. Isto porque temos hoje uma compreensão razoavelmente boa das leis da física, tanto do infinitamente pequeno – ao nível do próton – como do infinitamente grande – como o Big Bang.

Do interior de um próton até às margens exteriores do Universo. Portanto, realmente não é de se esperar o surgimento de novas surpresas. A menos, é claro, que consigamos entrar num próton, para explorar um canal, ou que saiamos do Universo graças ao hiperespaço. Já do lado da engenharia, sim, pode haver todo o tipo de surpresas, assim como no da bioengenharia.




Notas da Redação :

Escala de Kardashev – Trata-se de uma escala teórica que classifica as civilizações de acordo com o seu consumo de energia e o seu nível tecnológico. Proposta em 1961, pelo físico russo Nikolai Kardashev, tem sido utilizada por investigadores do SETI (Search for Extraterrestrial Intelligence – centro de investigação de inteligência extraterrestre), que buscam possíveis sinais de extraterrestres, e por futuristas, para descreverem civilizações extraterrestres.

Kardashev distingue três tipos de civilizações: Civilizações de tipo 1 – Capazes de aproveitar a energia potencial de um planeta. Civilizações de tipo 2 – Capazes de aproveitar a energia potencial de uma estrela. Civilizações de tipo 3 – Capazes de aproveitar a energia potencial de uma galáxia.

Esta teoria foi posteriormente criticada e revista. A principal crítica foi a excessiva importância dada ao consumo de energia.

Ajuste fino e Big Bang – É necessário estarem reunidas condições extremamente precisas para surja no Universo a vida como a conhecemos. Uma variação, mesmo muito pequena, de algumas constantes fundamentais da física não permitiria que a vida emergisse.

O cosmologista e astrônomo britânico Fred Hoyle designou essas condições particulares do Universo de “ajuste fino”, em 1953.

Esse mesmo cientista, que defende a teoria do estado estacionário (que descreve um Universo imutável e eterno), usou a expressão Big Bang, em 1919, num programa da BBC, para ridicularizar a teoria de um Universo em expansão. Ora, não apenas provas de um Universo em expansão têm sido amplamente reunidas desde então, como a expressão Big Bang se tornou muito popular.

(*) Michio Kaku. Físico norte-americano nascido em 1947 (71 anos). Professor de física teórica no City College, em Nova York. Michio Kaku é também um futurista. 

Trabalha especialmente no campo da Teoria do Todo, que busca unificar as quatro forças fundamentais do Universo. O seu mais recente livro, The Future of Humanity: Terraforming Mars, lnterstellar Travel, lmmortality, and Our Destiny Beyond (O futuro da humanidade: transformação terráquea de Marte, viagens interestelares, imortalidade e o nosso destino mais além) foi publicado em fevereiro de 2018 nos Estados Unidos, pela editora Doubleday. 

Em Portugal, vários livros de Michio Kaku estão incluídos no Plano Nacional de Leitura do Ministério da Educação, como sugestões para o Ensino Secundário, traduzidos em português, como Hiperespaço, Mundos Paralelos. A Física do Futuro e O Futuro da Mente, editados pelo Editorial Bizâncio. 

A mesma editora publicou também A Física do Futuro e Visões: como a Ciência irá Revolucionar o Século 21. No Brasil, está traduzido O Cosmos de Einstein (Companhia das Letras).



Postado em Brasil 247 em 05/07/2018