Diagnosticando o “ médico bolsonarista ”




Wilson Gomes

Dos tipos políticos mais extravagantes encontrados no fundo desse abismo em que nos encontramos, o “médico bolsonarista” é um dos mais intrigantes. O enigma começa com as duas palavras que o designam: ele é médico por substantivo, quer dizer que exerce um ofício considerado nobre em qualquer sociedade, que consiste em curar e salvar vidas; mas é também bolsonarista, por adjetivo, portanto filiado a uma atitude política que, como sobejamente demonstrado a este ponto da nossa odisseia pandêmica, coloca a identidade tribal e o fanatismo em um lugar infinitamente superior ao apreço por vidas humanas e à missão de cuidar e curar. A tensão entre o substantivo e o adjetivo parece indicar um paradoxo. Na verdade, trata-se de um oximoro, como em “claro enigma”, “som do silêncio” ou “instante eterno”. Também neste caso, o adjetivo devora, anula ou contradiz o substantivo. O “médico bolsonarista” é, portanto, uma contradição ambulante, que só a singularidade da fauna dos abismos poderia comportar.

Não se enganem supondo a superioridade do substantivo sobre o adjetivo. O “médico bolsonarista” não é um médico que também é bolsonarista, mas um bolsonarista que ganha a vida exercendo a medicina. O bolsonarismo é que o define, posto que a ele se subordina tudo o mais o que a pessoa é, como pai, amigo, vizinho e, naturalmente, profissional da área de saúde. Não terá escrúpulos de usar, por exemplo, o prestígio, a distinção e a autoridade que a sociedade lhe concede por ser médico para fazer propaganda para a sua facção política mesmo em matérias e posições que violem francamente o seu juramento e ponham em risco a saúde dos seus pacientes, pois ele é primeiro um missionário de uma crença e o soldado de uma causa. A medicina vem depois disso, para ser usada como argumento de autoridade e facilitar a inoculação desta subespécie de bolsonarismo que surgiu na pandemia, o bolsonarismo clínico.

Chegou-se ao ponto que as mídias sociais estão cheias de exemplos de médicos autoconcedendo-se um upgrade ao status de cientista, mas não para ajudar as pessoas e as autoridades neste momento em que mais se precisaria deles, e sim para neutralizar o que prescreve e recomendam as autoridades de saúde mundo afora e para desqualificar os poucos consensos que a comunidade científica internacional tem conseguido sobre os modos corretos de se enfrentar o vírus. Ele não descobre nem cria conhecimento, ele os sabota, exorbitando da sua autoridade.

Médicos não são cientistas, são graduados e, eventualmente, pós-graduados em medicina, e não pesquisadores com anos de laboratório, publicações científicas e um título de PhD para início de conversa. O “médico bolsonarista”, contudo, não reconhece a distinção e pontifica em vídeos no WhatsApp, no Instagram ou no YouTube “desmascarando” a ciência e “revelando” a verdade sobre a Covid-19 que, por coincidência, é a mesma do bolsonarismo e dos negacionistas e dos militantes antivacinas pelo mundo. Baseados em quê? Em ciência não é, porque o campo científico da saúde, nos dias que correm, publica diariamente centenas de estudos clínicos sobre Covid-19, que o profissional médico que está atendendo não tem a mínima condição de revisar. Mas o “médico bolsonarista” não se baseia na ponta de lança da ciência nem nas deontologias básicas da sua área, e sim nos embustes tribais da extrema-direita sobre o comunismo e o globalismo, mas, também, sobre epidemiologia, virologia e farmacologia e medicina.

Médicos não são cidadãos e, portanto, não podem ter sua própria ideologia política? Bem, para começar, é certamente superestimar o estágio atual do bolsonarismo considerá-lo uma ideologia. Seria supor algum sistema, um conjunto de valores coerentes, uma visão de mundo e de país. Como ouvi esta semana do embaixador Marcos Azambuja, pensar o bolsonarismo como ideologia é tentar encontrar algum método nessa loucura. A posição antivacina, a insistência em pseudomedicamentos, a negação e minimização da doença tem qualquer coisa a ver com ser de esquerda ou direita, conservador ou liberal? Nada. Não há um por quê nem para quê nesse comportamento e nessa convicção, como é claro neste momento para qualquer pessoa lúcida. Não se trata, portanto, de ideologia, de uma perspectiva minimamente coerente, mas de uma atitude e de umas concepções avulsas e avessas à racionalidade que, per se, são claramente incompatíveis com a visão de mundo da própria medicina.

Além disso, embora muitos médicos tenham se recuperado da patologia bolsonarista com o choque de realidade que tomaram com a pandemia, ainda há mais médicos no bolsonarismo do que qualquer outra classe profissional, exceto talvez policiais, milicianos e profissionais da área de segurança em geral. O que é de causar perplexidade, pois os médicos e os profissionais da área de saúde estão dentre os que pagaram o preço mais alto em vida e sacrifícios pessoais pela pandemia que nos assola há um ano. E são estes mesmo médicos os que sabem por experiência pessoal, nos plantões excruciantes, na experiência da morte e da doença do pessoal da linha de frente bem como de seus colegas e amigos, o quanto a mais completa falta de atuação produtiva do governo levou a este morticínio. Por que insistem em ficar do lado da peste em vez de lutar contra ela?
Infelizmente, o bolsonarismo não infectou a classe médica com tal intensidade e velocidade por acaso. Lastimavelmente, há uma cultura da classe médica brasileira – quer dizer, um conjunto de significados, mentalidades e valores compartilhados coletivamente – que é majoritariamente conservadora e elitista.

E não me venham com corporativismos, pois disso sabem muito melhor que eu os médicos e profissionais de saúde que, por sorte, são dissidentes e reativos a esses valores dominantes. Foi esse elemento conservador e elitista do DNA da classe médica que serviu como porta de entrada do vírus do bolsonarismo no organismo da corporação e dos seus profissionais. E é o que tanto dificulta a recuperação dos pacientes.

A história da simbiose entre médicos e a extrema-direita pode ser registrada em vários momentos dos oitos anos que nos trouxeram ao abismo. Assim, em 2013, vimos o médico protobolsonarista assediando médicos cubanos nos aeroportos, enquanto, em 2015, assistimos ao médico antipetista em manifestações, com seus jalecos brancos, gritando “Dilma Vaca” e denunciando a infiltração comunista por meio do Programa Mais Médicos. Em 2018, fomos finalmente apresentados ao médico bolsonarista declarando não atender filhos de petistas, desejando malignamente que petistas importantes viessem parar no seu plantão, e compartilhando fake news (“até cair o dedo”) sobre kit gay, a grana de Lulinha e o perigo comunista em seus grupos de WhatsApp. Sim, as nossas pesquisas constataram que os grupos de médicos são das mais importantes correias de transmissão de fake news bolsonaristas no Brasil.

Durante todo o ano de 2020 vimos o médico bolsonarista, sob o olhar silente ou cúmplice do Conselho Federal de Medicina, sabotando as medidas da OMS, promovendo e prescrevendo falsos medicamentos, negando a pandemia e minimizando as mortes dela decorrentes. Muitos o fazem até hoje. Não temos mais, em 2021, contudo, o benefício da ignorância com respeito a de que lado está o bolsonarismo no morticínio a que assistimos, estarrecidos, todos os dias.

Os médicos e outros agentes da área de saúde não podem mais honestamente alegar desconhecimento ou dúvida. Os doutores que continuam desafiando a OMS e o senso comum mundial prescrevendo ivermectina e cloroquina como se tivesse cabimento fazer de uma prescrição a um paciente enfermo um statement político, os doutores que gravam e postam vídeos de WhatsApp negando a letalidade da pandemia ou atacando o isolamento social e o lockdown, esses doutores já não são mais apenas um constrangimento moral, como os que insultaram cubanos ou gritavam palavras de baixo calão contra a ex-presidente. São a negação de tudo o que a medicina deve ser para as pessoas. Quando estamos morrendo à razão de mais de 4 mil brasileiros por dia, a quem recorreremos se o médico que nos atender pode estar mais interessado em defender sua facção política e suas crenças tribais do que em nos tratar?

O bolsonarismo na classe médica, além de uma patologia moral, virou uma doença intelectual e uma moléstia profissional que leva o acometido a sacrificar tudo – toda e cada uma das crenças da medicina e do seu sublime contrato com a humanidade – no altar do seu fanatismo ideológico. Hoje, depois de tudo o que sabemos sobre a doença e a sua letalidade, quando os erros cometidos são cristalinos e ninguém pode alegar ignorância ou inocência, o “médico bolsonarista”, essa triste entidade, é basicamente um colaboracionista, um dócil e empenhado soldadinho de jaleco branco do bolsonarismo e da sua Solução Final.


Wilson Gomes é doutor em Filosofia, professor titular da Faculdade de Comunicação da UFBA e autor de A democracia no mundo digital: história, problemas e temas (Edições Sesc SP)





Esperança . . .

 





Nós dissemos adeus . . .




Adriana Helena

Existem canções que não saem da nossa memória... Algumas são inesquecíveis como a doce lembrança de olhar o mar pela primeira vez. Aposto que você se recorda da canção "We Said Goodbye." Pelo nome talvez não, mas se ouvir a introdução e os acordes se lembrará! Venha comigo apreciar o quanto é lindo o mar em um belo fundo musical... 

Primeiramente narrarei um fato curioso. Apesar de Dave Maclean, o intérprete de "Nós Dissemos Adeus" parecer ser um cantor americano, é brasileiro! Sim, brasileiro da gema! Dave Maclean é o nome artístico de José Carlos Gonzales e ele é cantor e compositor, cujo repertório cantado em inglês fez muito sucesso na década de 1970.

Bastante talentoso, ele começou a cantar e tocar aos cinco anos de idade. A carreira profissional entretanto, só teve realmente início quando fundou no ABC/São Paulo, um conjunto de bailes chamado The Buttons (Os Botões), em 1969.

Para se livrar dos dias tempestuosos e fazer sucesso nas décadas de 60 e 70, os cantores brasileiros precisavam cantar em inglês e assim se tornarem conhecidos e populares com mais facilidade. A vida, por muitas vezes é um mar revolto amigos... E sobreviver é para poucos! Precisamos nos adaptar às intempéries da vida!



Pouco depois, por volta de 1973, ainda com o conjunto The Buttons, Dave começou a gravar em inglês após receber da Rede Globo uma proposta para gravar temas de novelas, como "Me and You."

"Me and You" (tema da novela "Ossos do Barão") eu já tive a oportunidade de editar e é linda! Ouça que delicadeza:


São canções que embalaram muitos romances na década de 70. E são tão belas como ficar olhar ininterruptamente o mar por horas e horas...


A beleza de olhar o mar ininterruptamente...


Tears" (de autoria de Dave), "Feelings" e "We Said Goodbye" foram canções premiadas e de estrondoso sucesso.

Dave, antes da pandemia ainda estava ativo no mundo artístico fazendo apresentações com "O Som Internacional dos Anos 70", cantando canções de Bee Gees, Elton John, Johnny Rivers e Beatles. Se apresentava também no show "Hits Again", interpretando seus antigos sucessos e de seus contemporâneos da melhor fase, nos anos 1970, como Paul Denver, Steve Maclean, Pholhas, entre outros.


O disco original de 1974


Ele deixou um belo legado musical, tão lindo quanto ver o mar a primeira vez e mergulhar em seu profundo azul e por lá para sempre ficar...




E agora minha última edição e é chegada a hora de dizer adeus... Até mais !!








A miséria humana de um reality show em meio a um genocídio




Gustavo Conde

Um tanto chocado com as pessoas supostamente 'progressistas' assistindo o BBB.

É uma solidão muito grande.

Assistir sociologicamente é uma coisa. Fazer isso com o Jornal Nacional, por exemplo, me parece digno. Mas torcer publicamente por um reality show subdesenvolvido? Elogiar? Sofrer?

É um mico muito grande, me desculpem os que assistem.

Alguns, a gente entende.

Por exemplo, Felipe Neto. É muito contrato de publicidade. É muita grana envolvida. E é um ganha-ganha danado. Neto promove o programa e atiça as redes com engajamento (que a Globo não tem) e a Globo devolve a Neto o tráfego digital conquistado com o milionário marketing do programa.

"Jornalistas-subestrelas-de-redes" que transitam no meio-fio da história também oferecem sua cota de colaboração para o sucesso financeiro do produto global. Pablo Vilaça, Leandro Demori e mais uns tantos parecem viver para o BBB. Torcem, se emocionam, gritam, se animam, comemoram.

Enquanto isso, mais 4 mil pessoas morrem no país.

"Ah, mas que chatice ficar pegando no pé dessas pessoas legais!"

Eu não vivo num concurso de beleza, caras-pálidas. Tenho até medo de agradar - porque se eu "agradar", num país como esse, é porque alguma coisa estará errada comigo.

Para completar a miséria do momento, o engajamento anônimo pelo BBB invade as raias do constrangimento cognitivo.

O usuário de rede vai lá e comenta sobre o programa como se fosse uma subcelebridade do subjornalismo digital. É como tentar participar de uma festa para a qual você nunca foi e nunca será convidado.

"Fulano foi eliminado, yes!". "Que aula de cidadania do Leifert!". "Fulana vai ganhar um milhão, viva!"

É uma incomensurabilidade de clichês.

E para quê tudo isso, do ponto de vista psiquiátrico - com todo o respeito? Para se obter um sentimento de "pertença", para se sentir importante comentando uma coisa que todo mundo comenta porque todo mundo comenta.

Comentar BBB nas redes sociais é o processo cognitivo mais degradante e asqueroso que a tristeza e o azar do testemunho trágico podem oferecer neste momento. É pior que ser bolsonarista.

"Ah, mas você está comentando".

Sim, eu desci ao esgoto para manifestar minha repulsa a esse teatro dos horrores e a toda engrenagem que o permite subsistir.

O programa fetichiza (não "denuncia") todas as chagas contemporâneas da desumanização aplicada: racismo, homofobia, misoginia, machismo e todas as demais fobias trágicas de um tempo trágico.

O BBB é a expressão máxima do bolsonarismo. É um dos vetores midiáticos que permitiu a ascensão de Bolsonaro. É a matriz do cancelamento, a fonte da breguice, a arena das bestialidades, do ódio, da dissimulação.

Muito intelectual nesse país vibra com o BBB - eis a chave para entender porque temos duas cepas de intelectuais: uns que produzem a melhor ciência e a melhor crítica do mundo (pergunte se Miguel Nicolelis assiste ao BBB) e outros que são pura fachada (em geral, os colunistas da Folha, que participam de um clube privê de publicações e favores).

O Brasil já está massacrado demais por essa elite branca da Rede Globo e por esse governo catastrófico de Bolsonaro. O estrago cognitivo que já é imenso, com o BBB ganha ares de dramaticidade tenebrosa.

Seria demais pedir que as pessoas verdadeiramente progressistas largassem um pouco a Globo e olhassem mais para o próprio umbigo e para o próprio país?

Enfim, pedir não custa nada.




Nota

O querido Gustavo Conde, apenas, externou toda a indignação e revolta que, também, nós estamos sentindo com as 340 mil vidas perdidas e a volta da fome, consequências diretas do governo Bolsonaro. A globo e programas como o bbb levam à desinformação, à alienação e às fake news, que resultaram na eleição desta " pessoa " que é presidente do país. ( Rosa Maria - editora do blog )