A " ira santa " dos pais do bebê contra o descaso da empresa aérea e outros descasos . . .
Thaméa Danelon e Deltan Dallagnol
Por Lenio Streck
Cena 1
O procurador Dallagnol, depois de conseguir transferir 42 vezes seu processo no CNMP e vê-lo prescrito, decidiu continuar na política, desta vez oficialmente. Sim, agora oficialmente. Declarou-se nu o rei que sempre andara peladinho por aí. Pintou e bordou durante anos na República de Curitiba. Avisamos e denunciamos que ele usava o MP para seu interesse próprio e quejandices políticas. Transgrediu várias vezes a legislação do MP, inclusive na saída. Fez tudo isso e foi ao cinema.
Cena 2
A procuradora Thaméa Danelon, ex-comandante da “lava jato” de São Paulo, faz política, diariamente, sem sair do MP. Atira de dentro. Segue os passos de Deltan. Sim, Thaméa virou comentarista política de uma rede de TV. Deita cátedra. Embora a lei diga que ela, além de MP, só poderia lecionar, enveredou por outro caminho. O que dirá o CNMP? Ah: parece que, nas suas folgas, é comentarista do blog do Alan, aquele que está foragido no Isteites.
Nos seus comentários, faz duras críticas ao STF e elogia DD e Moro. Usa a sua legitimidade pública de membro do MP para fazer apreciações político-morais. E comenta sobre Ciro Gomes. Um procurador da República deve falar sobre isso? Alguém quer saber?
Ora, o membro do MP é agente político do Estado. Para quem não sabe, possui as garantias de um juiz. E os mesmos vencimentos. Por qual razão ele pode ter as “prerrogativas públicas” de um deputado, por exemplo? Ou de um jornalista? Mesmo de um advogado, ainda que de acusação, agindo estrategicamente? Eis a pergunta de um milhão de megahertz. Imaginem um juiz transformado em comentarista político de uma grande rede. Dando palpite sobre o agir de Ciro Gomes… Pois é. Membros de instituições do Estado têm de agir institucionalmente em nome do Estado. Parece óbvio. Ou não?
Cena 3
Uma criança de cinco meses é mantida “refém” em um voo da Gol por três horas, sem comida e sem fraldas, no meio de trocentas pessoas, calor e os desconfortos inerentes à espécie. Descontentes, ao descerem, os pais vandalizam o balcão. Imaginem o grau de indignação dos pais, que agiram, por óbvio, sob violenta emoção logo após lenta e agonizante provocação da vítima, a companhia aérea.
Cena 4: o Brasil real
Qual é a relação entre os três fenômenos? Simples. Quem tem a função de fiscalizar a lei está preocupado com autopromoção pessoal e outros interesses. Deltan e Thaméa representam — simbolicamente, esculpidos em carrara — o descaso das autoridades para com os direitos humanos fundamentais das pessoas. Personificam a instrumentalização do público em favor do interesse privado. Onde estava o MP no caso da Prevent Sênior? O MP foi substituído pela CPI, que fez as vezes de investigador.
Vejam o sentido do simbólico que aqui refiro. Nada existe no mundo sem o simbólico, dizia Castoriadis. Portanto, este artigo não deve ser lido de forma literal. Não, não, Thaméa não tem atribuição (que eu saiba) para cuidar desse tipo de Direito. Mas o MP tem. O Procon tem. A Anac tem. Enfim, o Estado, fiscalizado pelo MP, tem. O laissez-faire jurídico é isso: agentes públicos que querem o melhor dos dois mundos. Não pode ser assim. E quem diz isso é o Direito.
Cena 5. Perdemos a capacidade de indignação
Deltan fez no MP o contrário do que prega. Já o procurador Castor perdeu o cargo (e parece que vai continuar na política, candidatando-se). Deltan praguejou contra a prescrição e fez das tripas (42 vezes) o coração para a alcançar. Os diálogos da operação “spoofing” são de corar jusfrades. Quer converter um punitivista no mais ferrenho garantista? Coloque as garantias dele em jogo. Vira garantista mais rápido do que dizer “filigrana” 42 vezes.
Mas isso não causa indignação. Tudo é normal no país. Tão normal quanto ser maltratado por uma companhia aérea ou uma central de relacionamento de uma grande companhia. Tão normal quanto juiz e procurador agindo em conluio fora dos autos para depois enveredarem na política, como se não tivessem agido politicamente desde o princípio — sem princípio.
Tudo normal como os funcionários da Gol. Para eles, qual é o problema de uma criança ficar três horas com cocô nas fraldas, sem leite, só com água para beber? Em plena pandemia, a Gol submete centenas de passageiros a esse estado de coisas.
Cena 6. As vítimas viram vilões
O gran finale: os pais do bebê foram impedidos de embarcar na Gol. Foram banidos. Assim como os que criticam ou venham a criticar gente como Dallagnol são acusados de maus brasileiros. E criticar o sucesso político da procuradora Thaméa é visto como inveja da malta. “Esse povo não tem o que falar”, dir-se-á.
Assim segue o Brasil, país em que a democracia e a dignidade jogam por uma bola. Jogando fora de casa e sem auxílio do VAR.
Por isso é que, sempre na hora H, quando podemos fazer alguma coisa para exemplar, jogamos fora a água suja com a criança dentro, com bacia e tudo…
Quer dizer, jogamos fora o bebê com a fralda suja… Quer dizer, achamos normal que o bebê… Que Deltan…. Que Thaméa… Aliás, o Brasil espera ansiosamente a opinião da procuradora Thaméa sobre a última liminar do STF, a motociata de Bolsonaro, a última do Ciro Gomes, sobre o orçamento secreto, sobre a candidatura Moro, sobre os milhões em diárias da “lava jato” (ups, aí não vai dar).
E a nave vai.

Tirem as sementes de baobás do coração como o Pequeno Príncipe tira de seu planeta
Se você encontrar um baobá no coração, arranque-o inteiro com as raízes, porque as suas sementes hospedam o medo, a insegurança, a decepção, a raiva, etc. Faça como o Pequeno Príncipe, que a cada manhã retirava todas as sementes dos imensos baobás de seu pequeno planeta, por medo de que crescessem demais e de que suas gigantescas raízes destruíssem o que ele tanto amava.
Existem medos lógicos e racionais que garantem o nosso bem-estar. Eles são temores adequados que regulam a nossa sobrevivência. No entanto, em algumas ocasiões, quase sem saber como, aparecem essas sementes de baobá que invadem tudo.
Elas estão no subsolo do nosso jardim psicológico, crescendo de modo silencioso, mas alterando o nosso equilíbrio e a nossa concentração.
“Existem sementes boas, de ervas boas, e sementes ruins, de ervas ruins. Elas dormem no segredo da terra até que uma delas cisme em despertar. Então, ela se espreguiça e lança timidamente para o sol um broto inofensivo. Se é de rabanete ou de roseira, podemos deixar que cresça à vontade. Mas quando se trata de uma planta ruim, é preciso arrancar logo, assim que a reconhecermos”. – O Pequeno Príncipe –
De todas as reflexões que Antoine de Saint-Exupéry deixou em O Pequeno Príncipe, esta é uma das mais interessantes. No livro, o pequeno protagonista arrancava diariamente as sementes “ruins” do seu planeta enquanto alimentava e regava as sementes “boas”.
As ruins eram as dos baobás, que ele deveria eliminar por inteiro e com as raízes, antes que elas destruíssem o seu mundo a partir do interior. As sementes boas eram as de roseira, as suas preferidas.
Esta metáfora sutil simboliza a imagem dos nossos medos, das áreas mais escuras onde as distorções cognitivas se alimentam com frequência. São liderados pela raiva, a angústia ou a tristeza que embaçam e enchem de rachaduras o nosso palácio mental.

Todos temos baobás como os de O Pequeno Príncipe no coração
Todos nós temos algum baobá no coração. Pode ser que só exista a sua semente, invisível, dormida e sem nenhuma ramificação. Outros, ao contrário, podem estar sofrendo com os efeitos do seu crescimento.
O impacto desse baobá que expande as suas raízes altera, muda e desestabiliza tudo. Os medos e os rancores explodem até quebrar a ordem interna, a lógica, a autonomia.
Em O Pequeno Príncipe, o protagonista chega a perguntar ao piloto, em um dado momento, se os cordeiros comem arbustos. Quando o piloto responde que sim, ele reage com uma imensa alegria ao pensar que, finalmente, poderá se desfazer da ameaça dos baobás.
No entanto, depois o piloto se corrige: um baobá não é um arbusto, mas uma árvore. Elas são árvores tão grandes quanto igrejas, tão imensas que nem um “rebanho” de elefantes conseguiria comer uma delas inteira.
O Pequeno Príncipe, ao imaginar essa cena, sugeriu que isso poderia ser possível colocando um elefante em cima do outro. No entanto, segundos depois, ele diz com muita certeza que a melhor estratégia seria a de evitar o seu crescimento.
Afinal, quando um baobá cresce demais, já não dá para fazer nada. Devemos deter esses gigantes destrutivos durante as suas fases mais precoces, quando eles ainda são pequenos, quando não são mais do que meras sementes…
“O solo do planeta estava infestado de sementes de baobás. Se não eliminarmos o baobá a tempo, nunca mais será possível se livrar dele. Ele obstrui o planeta inteiro. Ele o perfura com as suas raízes. Se o planeta é muito pequeno e se os baobás são grandes demais, eles o fazem explodir”. – O Pequeno Príncipe –

A importância de impedir que um baobá cresça no coração
Existem pessoas que vêm algo mais na metáfora do baobá de O Pequeno Príncipe. Algumas advertem que, mais do que as sementes dos nossos medos, essas árvores poderiam estar relacionadas com a própria maldade.
Uma força destrutiva que adoece o coração e é capaz de cometer os piores atos, de dar forma aos mais devastadores cenários de violência e destruição. Os mesmos que todos nós temos em nossa memória coletiva.
No fim das contas, essa semente de baobá sempre esteve e estará presente em nosso interior. Depende de nós alimentá-la e permitir que ela cresça porque, do mesmo jeito que no planeta do Pequeno Príncipe, em todos nós existem sementes boas e sementes ruins.
O fato de que elas germinem e criem raízes fortes depende, sem dúvida, de vários fatores: a nossa criação, a educação, as experiências vividas, etc.
No entanto, não podemos esquecer que está em nossas mãos a responsabilidade de sermos boas pessoas e transformar-nos em jardineiros para retirar a tempo as ervas ruins, as sementes que não servem, as que destroem o entorno, e que quebram o equilíbrio natural do nosso âmbito pessoal.
Essa tarefa hábil é realizada todos os dias pelo Pequeno Príncipe. Era ele que retirava o que não queria e que alimentava o que mais valorizava: as suas roseiras.

Não precisamos dos cordeiros, nem de um exército de elefantes dispostos um em cima do outro para executar essa tarefa de limpeza. Se nós temos um baobá no coração, temos a responsabilidade de retirá-lo a tempo, ou melhor, de não alimentar a sua semente.
Esta tarefa de manutenção gera equilíbrio, traz sabedoria e um sentido de disciplina. Permite que nós fiquemos atentos a qualquer mudança, a qualquer crescimento fora do normal, para evitar que os pequenos problemas acabem se transformando em imensos e apavorantes baobás.
Nota
É claro que o Baobá para o Pequeno Príncipe é uma planta "ruim", pois seu "planeta" é muito pequeno e esta árvore é muito grandiosa. Mas o baobá está longe de ser uma planta nociva. O baobá é uma árvore nativa da África. Pertence à família das malváceas, parente dos hibiscos e da malva. O tronco, em forma de cone, pode chegar a 9 metros de diâmetro e a 30 metros de altura. As folhas jovens do baobá são comestíveis e medicinais. ( Rosa Maria - editora do blog )
Clique nos links abaixo se quiser conhecer mais sobre o Baobá.
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