Pessoas faróis


  


Isaias Costa

Eu já falei em alguns textos que um dos maiores poderes que o ser humano possui se chama GRATIDÃO. Desenvolver as atitudes de gratidão pode fazer com que a nossa vida tenha um brilho todo especial.

Hoje eu quero compartilhar um belíssimo texto da escritora Maria Cristina Tanajura chamado “Seres faróis”, mas antes quero agradecer a todas as pessoas que são faróis na minha vida e que a partir de seus ensinamentos, sabedorias e, principalmente, testemunhos de vida, estão me ajudando a ser um farol também. Agradecer aos muitos escritores que expandiram o meu universo com leituras edificantes e um agradecimento especial aos meus leitores, que tão bem recebem as mensagens que procuro transmitir e me incentivam nesse projeto. Meu desejo é também ser um farol! Que eu possa trazer palavras de aconchego a você que me lê agora e fazer com que você cresça como ser humano. Quero aproveitar para lhe motivar também a ser um farol na vida das pessoas que lhe são próximas. O mundo vai agradecer por essa atitude!…

Estamos todos sempre nos relacionando, influenciando uns aos outros, queiramos ou não. Pelo exemplo, principalmente, mas também pelo que falamos. Na verdade, o Divino se expressa através de tudo e de todos à nossa volta. Um sorriso amigo, um abraço caloroso na hora certa, um telefonema carinhoso quando nos sentimos mais sós, um e-mail que nos relembra verdades naquele momento esquecidas. Enfim, não vivemos isolados, mesmo quando temos dificuldade de relacionamento. Cada dia mais próximos uns dos outros, devido ao aumento da população e busca de espaço nas cidades, com a ajuda do desenvolvimento tecnológico assombroso, interagimos sempre, mesmo que disso não tenhamos sequer consciência.

Imersos num oceano de ideias e pensamentos, somos influenciados por eles, cada um em sua faixa vibratória, atraindo os seus afins. E à medida que nos modificamos com a própria vida, tudo isto vai se transformando, pouco a pouco. Antigas amizades como que se distanciam de nós e novas se iniciam. Num constante movimento de idas e vindas, que não se detém jamais.

Neste processo todo, sempre contínuo, há pessoas que nos acenam como verdadeiros faróis, tendo a condição de nos sinalizar o caminho mais seguro e correto a seguir. Vieram com esta missão e a cumprem mesmo sem perceber, embora sejam tão importantes para um grupo, maior ou menor. Acho que todos já vivemos esta experiência de ter conhecido e até se relacionado com professores que jamais conseguimos esquecer, nem sempre pelo conteúdo do que ensinavam, mas pela forma como o faziam… Pela maneira de nos tratar, de nos olhar, de nos respeitar – independente da idade que tínhamos na época.

Há os cientistas, os grandes músicos, os religiosos de diferentes crenças, familiares especiais que jamais serão esquecidos enquanto vivermos e sabemos que o faremos para sempre. Todos foram luzes em nossos caminhos e nem sempre souberam que desempenharam este papel. Mostraram uma forma de viver mais amorosa, ou mais correta, ou mais sábia. Certamente, foram canais do divino enquanto por aqui estiveram e em nossas vidas desempenharam papel decisivo, muitas vezes nos ajudando a manter acesa a esperança em dias melhores.

Faróis iluminam a escuridão dos mares, dia e noite, sem cessar. São luzes solitárias e não esmorecem, atuando principalmente nos dias difíceis de grandes tempestades.
Há no nosso mundo, hoje, muitas pessoas faróis – nem sempre desempenhando papéis de destaque no meio de tanta ilusão e de tantos desacertos. Podem sequer dizer frases inteligentes, mas certamente nos transmitem muita serenidade e a certeza de que podemos chegar a ter paz um dia.

Gratidão é o sentimento que me preenche, quando penso em todos os faróis que já encontrei em minha vida e para os quais peço as bênçãos do Pai, para que continuem brilhando as suas luzes, sem jamais perderem o ânimo, pois precisamos muito deles.

Jesus foi o maior dos faróis que já nos visitaram aqui na Terra. Sua Luz continua a brilhar apesar dos desatinos, das guerras, dos equívocos praticados erroneamente em Seu nome. Peçamos sempre a Ele que não nos deixe relegados à escuridão reinante, mas que nos aponte o caminho mais sábio, sempre – e vamos em frente! Lembrando que somos referência para quem convive conosco – de uma forma mais ou menos marcante.

Nunca deixamos de influenciar o mundo ou de sermos influenciados por ele. E assim caminha a humanidade. Esperamos que dias mais claros estejam chegando e que homens e mulheres faróis sempre cruzem os espaços de todos nós, pois nos trazem a energia divina e nos ensinam a viver.

Breve reflexão em áudio a partir desse texto :



Diagnosticando o “ médico bolsonarista ”




Wilson Gomes

Dos tipos políticos mais extravagantes encontrados no fundo desse abismo em que nos encontramos, o “médico bolsonarista” é um dos mais intrigantes. O enigma começa com as duas palavras que o designam: ele é médico por substantivo, quer dizer que exerce um ofício considerado nobre em qualquer sociedade, que consiste em curar e salvar vidas; mas é também bolsonarista, por adjetivo, portanto filiado a uma atitude política que, como sobejamente demonstrado a este ponto da nossa odisseia pandêmica, coloca a identidade tribal e o fanatismo em um lugar infinitamente superior ao apreço por vidas humanas e à missão de cuidar e curar. A tensão entre o substantivo e o adjetivo parece indicar um paradoxo. Na verdade, trata-se de um oximoro, como em “claro enigma”, “som do silêncio” ou “instante eterno”. Também neste caso, o adjetivo devora, anula ou contradiz o substantivo. O “médico bolsonarista” é, portanto, uma contradição ambulante, que só a singularidade da fauna dos abismos poderia comportar.

Não se enganem supondo a superioridade do substantivo sobre o adjetivo. O “médico bolsonarista” não é um médico que também é bolsonarista, mas um bolsonarista que ganha a vida exercendo a medicina. O bolsonarismo é que o define, posto que a ele se subordina tudo o mais o que a pessoa é, como pai, amigo, vizinho e, naturalmente, profissional da área de saúde. Não terá escrúpulos de usar, por exemplo, o prestígio, a distinção e a autoridade que a sociedade lhe concede por ser médico para fazer propaganda para a sua facção política mesmo em matérias e posições que violem francamente o seu juramento e ponham em risco a saúde dos seus pacientes, pois ele é primeiro um missionário de uma crença e o soldado de uma causa. A medicina vem depois disso, para ser usada como argumento de autoridade e facilitar a inoculação desta subespécie de bolsonarismo que surgiu na pandemia, o bolsonarismo clínico.

Chegou-se ao ponto que as mídias sociais estão cheias de exemplos de médicos autoconcedendo-se um upgrade ao status de cientista, mas não para ajudar as pessoas e as autoridades neste momento em que mais se precisaria deles, e sim para neutralizar o que prescreve e recomendam as autoridades de saúde mundo afora e para desqualificar os poucos consensos que a comunidade científica internacional tem conseguido sobre os modos corretos de se enfrentar o vírus. Ele não descobre nem cria conhecimento, ele os sabota, exorbitando da sua autoridade.

Médicos não são cientistas, são graduados e, eventualmente, pós-graduados em medicina, e não pesquisadores com anos de laboratório, publicações científicas e um título de PhD para início de conversa. O “médico bolsonarista”, contudo, não reconhece a distinção e pontifica em vídeos no WhatsApp, no Instagram ou no YouTube “desmascarando” a ciência e “revelando” a verdade sobre a Covid-19 que, por coincidência, é a mesma do bolsonarismo e dos negacionistas e dos militantes antivacinas pelo mundo. Baseados em quê? Em ciência não é, porque o campo científico da saúde, nos dias que correm, publica diariamente centenas de estudos clínicos sobre Covid-19, que o profissional médico que está atendendo não tem a mínima condição de revisar. Mas o “médico bolsonarista” não se baseia na ponta de lança da ciência nem nas deontologias básicas da sua área, e sim nos embustes tribais da extrema-direita sobre o comunismo e o globalismo, mas, também, sobre epidemiologia, virologia e farmacologia e medicina.

Médicos não são cidadãos e, portanto, não podem ter sua própria ideologia política? Bem, para começar, é certamente superestimar o estágio atual do bolsonarismo considerá-lo uma ideologia. Seria supor algum sistema, um conjunto de valores coerentes, uma visão de mundo e de país. Como ouvi esta semana do embaixador Marcos Azambuja, pensar o bolsonarismo como ideologia é tentar encontrar algum método nessa loucura. A posição antivacina, a insistência em pseudomedicamentos, a negação e minimização da doença tem qualquer coisa a ver com ser de esquerda ou direita, conservador ou liberal? Nada. Não há um por quê nem para quê nesse comportamento e nessa convicção, como é claro neste momento para qualquer pessoa lúcida. Não se trata, portanto, de ideologia, de uma perspectiva minimamente coerente, mas de uma atitude e de umas concepções avulsas e avessas à racionalidade que, per se, são claramente incompatíveis com a visão de mundo da própria medicina.

Além disso, embora muitos médicos tenham se recuperado da patologia bolsonarista com o choque de realidade que tomaram com a pandemia, ainda há mais médicos no bolsonarismo do que qualquer outra classe profissional, exceto talvez policiais, milicianos e profissionais da área de segurança em geral. O que é de causar perplexidade, pois os médicos e os profissionais da área de saúde estão dentre os que pagaram o preço mais alto em vida e sacrifícios pessoais pela pandemia que nos assola há um ano. E são estes mesmo médicos os que sabem por experiência pessoal, nos plantões excruciantes, na experiência da morte e da doença do pessoal da linha de frente bem como de seus colegas e amigos, o quanto a mais completa falta de atuação produtiva do governo levou a este morticínio. Por que insistem em ficar do lado da peste em vez de lutar contra ela?
Infelizmente, o bolsonarismo não infectou a classe médica com tal intensidade e velocidade por acaso. Lastimavelmente, há uma cultura da classe médica brasileira – quer dizer, um conjunto de significados, mentalidades e valores compartilhados coletivamente – que é majoritariamente conservadora e elitista.

E não me venham com corporativismos, pois disso sabem muito melhor que eu os médicos e profissionais de saúde que, por sorte, são dissidentes e reativos a esses valores dominantes. Foi esse elemento conservador e elitista do DNA da classe médica que serviu como porta de entrada do vírus do bolsonarismo no organismo da corporação e dos seus profissionais. E é o que tanto dificulta a recuperação dos pacientes.

A história da simbiose entre médicos e a extrema-direita pode ser registrada em vários momentos dos oitos anos que nos trouxeram ao abismo. Assim, em 2013, vimos o médico protobolsonarista assediando médicos cubanos nos aeroportos, enquanto, em 2015, assistimos ao médico antipetista em manifestações, com seus jalecos brancos, gritando “Dilma Vaca” e denunciando a infiltração comunista por meio do Programa Mais Médicos. Em 2018, fomos finalmente apresentados ao médico bolsonarista declarando não atender filhos de petistas, desejando malignamente que petistas importantes viessem parar no seu plantão, e compartilhando fake news (“até cair o dedo”) sobre kit gay, a grana de Lulinha e o perigo comunista em seus grupos de WhatsApp. Sim, as nossas pesquisas constataram que os grupos de médicos são das mais importantes correias de transmissão de fake news bolsonaristas no Brasil.

Durante todo o ano de 2020 vimos o médico bolsonarista, sob o olhar silente ou cúmplice do Conselho Federal de Medicina, sabotando as medidas da OMS, promovendo e prescrevendo falsos medicamentos, negando a pandemia e minimizando as mortes dela decorrentes. Muitos o fazem até hoje. Não temos mais, em 2021, contudo, o benefício da ignorância com respeito a de que lado está o bolsonarismo no morticínio a que assistimos, estarrecidos, todos os dias.

Os médicos e outros agentes da área de saúde não podem mais honestamente alegar desconhecimento ou dúvida. Os doutores que continuam desafiando a OMS e o senso comum mundial prescrevendo ivermectina e cloroquina como se tivesse cabimento fazer de uma prescrição a um paciente enfermo um statement político, os doutores que gravam e postam vídeos de WhatsApp negando a letalidade da pandemia ou atacando o isolamento social e o lockdown, esses doutores já não são mais apenas um constrangimento moral, como os que insultaram cubanos ou gritavam palavras de baixo calão contra a ex-presidente. São a negação de tudo o que a medicina deve ser para as pessoas. Quando estamos morrendo à razão de mais de 4 mil brasileiros por dia, a quem recorreremos se o médico que nos atender pode estar mais interessado em defender sua facção política e suas crenças tribais do que em nos tratar?

O bolsonarismo na classe médica, além de uma patologia moral, virou uma doença intelectual e uma moléstia profissional que leva o acometido a sacrificar tudo – toda e cada uma das crenças da medicina e do seu sublime contrato com a humanidade – no altar do seu fanatismo ideológico. Hoje, depois de tudo o que sabemos sobre a doença e a sua letalidade, quando os erros cometidos são cristalinos e ninguém pode alegar ignorância ou inocência, o “médico bolsonarista”, essa triste entidade, é basicamente um colaboracionista, um dócil e empenhado soldadinho de jaleco branco do bolsonarismo e da sua Solução Final.


Wilson Gomes é doutor em Filosofia, professor titular da Faculdade de Comunicação da UFBA e autor de A democracia no mundo digital: história, problemas e temas (Edições Sesc SP)