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“ Você tem que ver eu me formar ” : a última mensagem de uma filha à mãe morta com covid aos 42 anos




Davi Nogueira

Uma estudante mostrou uma troca de mensagens dramática antes da mãe morrer por complicações causadas pela covid-19.

Em publicação no Twitter, Giulia mostra sua última conversa com a mãe, que estava a caminho da UTI e disse que não tinha vagas.

“Estou torcendo por ti. Eu te amo muito”, diz a estudante.

A mãe responde: “Eu vou pra UTI. Só não tem vaga em lugar nenhum. Amo vocês”.

“Essa foi a última mensagem que tive da minha mãe, ela faleceu hoje por covid-19 e tinha só 42 anos, deixando três filhas (uma de 8 anos) pra trás. Ela nunca vai ver eu me formar… Usem máscara, não saiam se não for necessário, por favor”, alerta Giulia, após sentir na pele o drama vivido por centenas de milhares de brasileiros na pandemia do coronavírus.



Infelizmente . . .

 



‘Perdi minha mãe para as fake news’, diz filha de idosa que faleceu de Covid-19



"Ela assistia a muitos vídeos na internet e não acreditava que essa doença existisse. O que mais dói é saber que não é só ela que era assim, tem muita gente perdendo a vida por causa de notícias falsas", disse Adriana Aparecida Paim Avanci, que perdeu a mãe há cinco dias, vítima da Covid-19.

Há cinco dias, a professora Adriana Aparecida Paim Avanci, de 45 anos, perdeu a mãe, a aposentada Maria das Graças Paim, de 71 anos, vítima de complicações da covid-19. Ainda muito abalada, ela fez um honesto desabafo.

“O sentimento é de muita revolta, porque perdi a minha mãe para as fake news. Ela assistia a muitos vídeos na internet e não acreditava que essa doença existisse. O que mais dói é saber que não é só ela que era assim, tem muita gente perdendo a vida por causa de notícias falsas”.

A professora, que é moradora de Ribeirão Preto, conta que a mãe não acreditava na existência do vírus e se recusou a procurar atendimento médico. “Infelizmente, quando ela aceitou ir ao hospital, era tarde demais”, lembra a professora, em entrevista ao UOL.

Segundo Adriana, sua mãe apresentou os primeiros sintomas da doença no dia 29 de dezembro. Com dor de garganta e no corpo, Maria das Graças foi alertada pelos filhos que os sintomas eram da covid-19 e foi orientada pelos familiares a procurar atendimento médico.

“Durante dez dias, eu e meu irmão lutamos para levá-la ao hospital e ela não quis ir. Nesse período, ela chegou a nos mandar um áudio dizendo que não ia mais falar com a gente devido a essa insistência. [Ela dizia] Que tudo não passava de uma gripezinha”, acrescenta a filha.




Enquanto convencia a mãe a procurar atendimento médico, Adriana também apresentou os sintomas da doença, testou positivo para covid-19 e ficou em isolamento domiciliar. Sem poder visitar a mãe, foi durante uma chamada de vídeo que ela percebeu que a situação da idosa estava ficando cada vez mais complicada.

“No dia 6, eu percebei que ela estava muito debilitada, na cama, mas ainda assim ela se recusava ir ao médico e dizia estar bem. Então eu avisei no grupo da família o que estava acontecendo e todos passaram a pressionar a minha mãe para ela ir ao hospital”, conta a professora.

Já no dia seguinte, Maria das Graças foi levada ao hospital Beneficência Portuguesa pelo filho. Com 60% do pulmão comprometido, a idosa foi internada após algumas horas. No dia seguinte, o quadro de saúde se agravou e ela precisou usar máscara de oxigênio para auxiliar na respiração. No dia 10, a idosa entrou na UTI (Unidade de Terapia Intensiva) e foi intubada.

“Mesmo bastante debilitada, ela entrou no hospital falando que estava indo contra a vontade dela, mas já era tarde. Seis dias depois que ela estava na UTI, os rins pararam de funcionar e ela precisou fazer hemodiálise e o quadro de saúde só foi piorando”, conta Adriana.

Maria das Graças teve duas paradas cardiorrespiratórias no último dia 17 e não resistiu. Apesar da idade, a família relata que a aposentada era uma pessoa bastante ativa e praticava atividades físicas. Como comorbidade, ela tinha pressão alta.

“Ela dizia que a pandemia ia matá-la, mas não por causa do vírus, mas sim de solidão e tristeza. Eu vi a minha mãe entrar no hospital e não a vi sair. Acredito que se tivesse acreditado na doença, hoje ela estaria com a gente”, diz a professora.





NOTA

As 215.000 pessoas mortas, pela covid-19, se devem a uma criatura chamada JAIR BOLSONARO e aos 57 milhões que votaram na criatura.
 



As mãos que matam e a voz que os manda matar




Fernando Brito

A bárbara morte de a morte de João Alberto Silveira Freitas, espancado por seguranças do Carrefour em Porto Alegre, na véspera do Dia da Consciência Negra, que se comemora hoje, um, só mais um dos fatos reais destes tempos de estupidez em que nos mergulharam.

O violência, o espancamento, o assassinato, todos começam pela boca que vocifera. Vocifera contra os pobres, vocifera contra os negros, vocifera contra gays.

Vocifera, voz de fera, que vínhamos, por milhares de anos sempre caminhando para perder, mas que ronca no interior de muitos e volta e meia estruge pelas mãos daqueles que acabam sendo os executores brutos desta sentença genérica.

Afinal, estavam agindo ali “em nome da sociedade” e, a quem visse, pareceria, pela vítima negra, tratar-se de ladrão, e ladrão merece morrer, não é?

É o “excludente de ilicitude”, a pseudorazão para agir como não é razoável agir.

Esta é a armadilha em que as classes dominantes tentam lançar sobre nossos sentimentos e justiça e igualdade. A de que a estupidez deveria ser igual, fossemos heteros ou gays; que a pobreza deveria ser igual, fossemos brancos ou negros; que a iniquidade não existe para além de cor e sexo nas quais, sim, se expressa dramaticamente.

Os meios de comunicação, cinicamente, querem nos prender nesta arapuca – logo eles que, por décadas, praticaram o racismo e o sexismo sem qualquer pudor – como se fossem os campeões da igualdade.

O racismo e o sexismo são expressões da brutalidade e, embora seja necessário que estes grupos se organizem e se defendam, o problema da extirpar a brutalidade das relações humanas é de todos.

Morreu barbaramente um homem a socos e pisões. Basta-me isso para ser intolerável.

Ao longo da vida, participei de muitos degraus da nossa lenta subida na escala da civilidade. Com Adbias do Nascimento, com Caó, com o Coronel Carlos Magno Nazareth Cerqueira, o oficial negro posto por Brizola, em seus dois governos, a comandar a Polícia Militar do Rio de Janeiro.

Nenhum deles separou o movimento identitário da ideia de justiça social, mas como parte necessária do processo para alcançá-la.

Do contrário, iremos ficar sempre no que é indispensável, mas não suficiente: punir o racista, o homofóbico e não entender que este agente do que nós condenamos é isso, apenas o agente de uma organização da sociedade que é censitária: na cor, no sexo e no dinheiro (porque, afinal, a morte de alguém de classe média alta ou rico sempre chocará mais que a de um pobre).

Os seguranças assassinos de Porto Alegre não são os únicos que matam. A cultura da intolerância mata muito mais, ainda que pelas mãos deles.















" Maricas é a PQP ", diz brasileira que perdeu marido para a Covid




247 - A postagem de uma brasileira que perdeu o marido para a pandemia de coronavírus tem repercutido muito nesta quarta-feira (11) no Twitter. Vanda Célia Oliveira revoltou-se com o discurso de Jair Bolsonaro: "maricas é a PQP".

"Há quase um mês, meu marido Alberto Coura morreu de sequelas da Covid 19. Enfrentou a doença com valentia durante 84 dias na UTI. Desde então, sofro que nem cachorro e luto pra ver se também não morro. Não gosto de ser rude, mas hoje, peço licença para dizer que 'maricas' é a puta que pariu", postou Vanda, com uma foto do marido e do filho.

Em outro tuíte, numa resposta à jornalista Elena Landau, ela complementa: "Oh Elena, obrigada pela solidariedade. Foram 40 anos juntos. Um deserto nasceu em mim e vou conviver com ele para sempre".

Em discurso no Palácio do Planalto nesta terça, Bolsonaro disse que o Brasil não pode ser um país de maricas ", ao falar de mortes para a Covid-19. “Tudo agora é pandemia. Lamento os mortos, lamento. Todos nós vamos morrer um dia, aqui todo mundo vai morrer um dia... Não adianta fugir disso, da realidade. Tem que deixar de ser um país de maricas, pô”, disse.




Os celulares e a empatia dos profissionais de saúde amenizam o sofrimento e solidão dos " maricas ", internados nos hospitais, devido à pandemia de covid-19. Assim eles conseguem se comunicar com seus familiares.













Dentro de um inferno, algo do paraíso não se perdeu


Qual é o propósito de Deus para a Terra e para a humanidade ...



Leonardo Boff

Se olharmos os cenários mundiais, temos a impressão de que a dimensão de sombra, o impulso de morte e a porção demente tomou conta das mentes e dos corações de muitas pessoas. Particularmente em nosso país, criou-se até o “gabinete do ódio” onde grupos maus maquinam maldades, calúnias, distorções e todo tipo de perversidades contra seus adversários políticos, feitos inimigos que devem ser liquidados senão fisicamente, pelo menos simbolicamente.

Várias janelas do inferno se abriram e suas labaredas incineraram celebridades, alimentaram as fake news e destroçaram porções do Estado Democrático de Direito e em seu lugar introduziram um Estado sem lei e post-democrático e, no caso do Brasil, em sua cabeça, um chefe de Estado demente, cruel e sem compaixão.

Historiadores nos asseguram que há momentos na história de uma nação ou de um povo nos quais o dia-bólico (o que divide) inunda a consciência coletiva. Tenta afogar o sim-bólico (o que une) no intento de fazer regredir toda uma história aos tempos sombrios, já superados pela civilização. Então surgem ideologias de exclusão, mecanismos de ódio, conflitos e genocídios de inteiras etnias. Conhecemos a Shoah, fruto do inferno criado pelo nazifascimo de extermínio em massa de judeus e de outros.

Na América Latina por ocasião da invasão/ocupação dos europeus, ocorreu talvez o maior genocídio da história. No México, em 1519 com a chegada de Hernán Cortez, viviam 22 milhões de aztecas; depois de 70 anos restaram somente 1,2 milhões. Foram católicos anticristãos que perpetraram extermínios em massa. Os gritos das vítimas clamam ao céu contra a “Destruição das “Índias”(Las Casas) e têm o direito de reclamar até o juízo final. Nunca se viu algum ato de reconhecimento deste genocídio por parte das potências colonialistas nem se dispuseram a fazer a mínima compensação aos sobreviventes destes massacres. São demasiados desumanos e arrogantes.

Mas dentro deste inferno dantesco, há algo do paraíso que nunca se perdeu e que constitui a permanente saudade do ser humano: saudade da situação paradisíaca na qual tudo se harmoniza, o ser humano trata humanamente outro ser humano, sente-se confraternizado com a natureza e filho e filha das estrelas, como dizem tantos indígenas. Em tempos maus como o nosso, vale ressuscitar esse sonho que dorme no profundo de nosso ser. Ele nos permite projetar outro tipo de mundo que, para além das diferenças, todos se reconhecem como irmãos e irmãs. E se entre-ajudam.

Narro um fato real que mostra a emergência desse pedaço de paraíso, ainda existente entre nós, lá onde a inimizade e a violência são diárias.

Essa não é uma história inventada mas real, recolhida por um jornalista espanhol do El Pais no dia sete de junho de 2001. Ocorreu no ontem, mas seu espírito vale para o hoje.

Mazen Julani era um farmacêutico palestino de 32 anos, pai de três filhos, que vivia na parte árabe de Jerusalém. No dia 5 de junho de 2001 quando estava tomando café com amigos num bar, foi vítima de um disparo fatal vindo de um colono judeu. Era a vingança contra o grupo palestinense Hamás que, quarenta e cinco minutos antes, havia matado inúmeras pessoas numa discoteca de Tel Aviv mediante um atentado feito por um homem bomba. O projétil entrou pelo pescoço de Mazen e lhe estourou o cérebro. Levado imediatamente para o hospital israelense Hadassa chegou já morto.

Mas eis que a porção adormecida do paraíso em nós foi acordada. O clã dos Julani decidiu aí mesmo nos corredores do hospital, entregar todos os órgãos do filho morto: o coração, o fígado, os rins e o pâncreas para transplantes a doentes judeus. O chefe do clã esclareceu em nome de todos que este gesto não possuía nenhuma conotação política. Era um gesto estritamente humanitário.

Segundo a religião muçulmana, dizia, todos formamos uma única família humana e somos todos iguais, israelenses e palestinos. Não importa em quem os órgãos vão ser transplantados. Essencial é que ajudem a salvar vidas. Por isso, arrematava ele: os órgãos serão destinados aos nossos vizinhos israelenses.

Com efeito, ocorreu um transplante. No israelense Yigal Cohen bate agora um coração palestino, o de Mazen Julani.

A mulher de Mazen teve dificuldades em explicar à filha de quatro anos a morte do pai. Ela apenas lhe dizia que o pai fora viajar para longe e que na volta lhe traria um belo presente.

Aos que estavam próximo, sussurrou com os olhos marejados de lágrimas: daqui a algum tempo eu e meus filhos iremos visitar a Ygal Cohen na parte israelense de Jerusalém. Ele vive com o coração de meu marido e do pai de meus filhos. Será grande consolo para nós, encostar o ouvido ao peito de Ygal e escutar o coração daquele que tanto nos amou e que, de certa forma, ainda está pulsando por nós.

Este gesto generoso demonstra que o paraíso não se perdeu totalmente. No meio de um ambiente altamente tenso e carregado de ódios, surgiu um Jardim do Éden, de vida e de reconciliação. A convicção de que somos todos membros da mesma família humana, alimenta atitudes de perdão e de incondicional solidariedade. No fundo, aqui irrompe o amor que confere sentido à vida e que move, segundo Dante Alignieri da Divina Comédia, o céu e todas as estrelas. E eu diria, também o coração da esposa de Mazen Julani e o nosso.

São tais atitudes que nos fazem crer que o ódio reinante no Brasil e no mundo, as fake news e as difamações não terão futuro. É joio que não será recolhido, como o trigo, no celeiro dos homens nem de Deus. Esse tsunami de ódio e seu promotor maior que desgoverna nosso país, irá descobrir, um dia em que só Deu sabe, as lágrimas, os lamentos e o luto que provocaram em milhares de seus compatriotas que por sua falta de amor e de cuidado para com os afetados pelo Covid-19 perderam a quem tanto amavam. Oxalá neles não esteja totalmente perdida a parcela do Jardim do Éden.


Leonardo Boff é ecoteólogo, escritor e escreveu “O doloroso parto da Mãe Terra: uma nova etapa da Terra e da Humanidade”, a sair pela Vozes em 2020.






Imperdível nesta manhã de sábado a reportagem do The New York Times sobre o drama dos efeitos do novo coronavírus na Amazônia


E daí ?


Fernando Brito


Leitura – e visão – imperdível nesta manhã de sábado a reportagem do The New York Times sobre o drama dos efeitos do novo coronavírus na Amazônia, com fotografias impressionantes de Tyler Hicks, vencedor do Prêmio Pulitzer de Fotografia de 2014 e com vasta experiência em coberturas de guerras e dramas himanos. Curiosamente, Tyler nas ceu em São Paulo, embora tenha se formado em Boston e viva hoje no Quênia. Os textos são de Julie Turkevitz e da repórter brasileira Manuela Andreoni, com gráficos animados de Jeremy White.



O desespero de famílias como a de Gertrude do Santos – a da foto – é descrito com crua delicadeza na publicação, que está aberta ao acesso público:



Gertrude Ferreira Dos Santos morava no extremo leste da cidade [de Manaus], em um bairro pressionado contra a água. Ela costumava dizer que sua coisa favorita no mundo era viajar de barco pelo rio. Com a brisa no rosto, ela se sentia livre.
Então, em maio, a senhora dos Santos, 54 anos, adoeceu. Dias depois, ela chamou seus filhos para a cama, fazendo-os prometerem ficar juntos. Ela parecia saber que estava prestes a morrer.
As equipes funerárias trabalhavam dia e noite para coletar corpos, incluindo o da Sra. Dos Santos. Muitas pessoas com sintomas do vírus preferem ficar em casa, com medo do hospital e morrendo sozinhas.
Houve tantas mortes em Manaus que a cidade cortou novos cemitérios da floresta densa.
Eduany, 22 anos, sua filha mais nova, ficou com ela naquela noite. No início da manhã, quando Eduany se levantou para fazer uma pausa, sua irmã Elen, 28 anos, implorou para que ela voltasse. A mãe deles parou de respirar. As irmãs, desesperadas, tentaram ressuscitar boca a boca. Às 6 horas da manhã, com o sol nascendo sobre a cidade, a Sra. Dos Santos morreu em seus braços.
Quando homens de traje de proteção branco chegaram mais tarde para levar seu corpo, as irmãs começaram a lamentar.
Dos Santos era mãe solteira. A vida nem sempre foi fácil. Mas ela tinha mantido um sentimento de encantamento, algo que suas filhas admiravam. “Em tudo o que ela fez”, disse Elen, “ela estava alegre.”
O atestado de óbito de sua mãe listou muitas condições subjacentes, incluindo problemas respiratórios de longa data, de acordo com as mulheres. Ele também listou insuficiência respiratória, indicador importante de que uma pessoa morreu devido ao coronavírus.
Mas suas filhas não acreditavam que ela era vítima da pandemia. Certamente ela havia morrido de outras causas, disseram eles. Deus não teria dado a ela uma doença tão feia.

Gertrude é uma das mais de 85 mil pessoas que se foram para esta doença tão feia e sua família mereceu de um jornal norte-americano a atenção à sua dor.

Do presidente de seu país, apenas um “e daí? Vai morrer gente, mesmo”.

Querendo ler, diretamente, no The New York Times, clique no título abaixo :





Fotografias por Tyler Hicks

Escrito por Julie Turkewitz e Manuela Andreoni

Gráficos por Jeremy White

25 de julho de 2020


O VÍRUS VARREU A REGIÃO como pragas passadas que viajaram o rio com colonizadores e corporações.

Espalhou-se com as canoas de escavação que transportavam famílias de cidade em cidade, os botes de pesca com motores de chocalho, as balsas movendo mercadorias por centenas de quilômetros, cheias de passageiros dormindo em redes, lado a lado, por dias de cada vez.

O Rio Amazonas é a fonte de vida essencial da América do Sul, uma super rodovia brilhante que corta o continente. É a artéria central de uma vasta rede de afluentes que sustenta cerca de 30 milhões de pessoas em oito países, movendo suprimentos, pessoas e indústria profundamente em regiões florestadas muitas vezes intocadas por estradas.


Mas, mais uma vez, em um eco doloroso da história, também está trazendo doenças.

Redes tornaram-se macas, levando os doentes de comunidades sem médicos

Uma família de luto por sua matriarca, Gertrude Ferreira dos Santos, que passou a vida ao longo do rio

Ambulâncias de barco viajam por horas para alcançar um único paciente

À medida que a pandemia ataca o Brasil, sobrecarregando-o com mais de dois milhões de infecções e mais de 84.000 mortes — perdendo apenas para os Estados Unidos —, o vírus está tomando um pedágio excepcionalmente alto sobre a região amazônica e as pessoas que dependem de sua abundância há gerações.

No Brasil, as seis cidades com maior exposição ao coronavírus estão todas no Rio Amazonas, de acordo com um novo estudo expansivo de pesquisadores brasileiros que mediu anticorpos na população.

A epidemia se espalhou tão rapidamente e completamente ao longo do rio que, em comunidades remotas de pesca e agricultura como Tefé, as pessoas têm sido tão propensas a obter o vírus como em Nova York, lar de um dos piores surtos do mundo.

"Foi tudo muito rápido", disse Isabel Delgado, 34, cujo pai, Felicindo, morreu do vírus pouco depois de adoecer na pequena cidade de Coari. Ele nasceu no rio, criou sua família por ele e construiu sua vida elaborando móveis a partir da madeira em suas margens.

Nos últimos quatro meses, à medida que a epidemia viajava da maior cidade da Amazônia brasileira, Manaus, com seus arranha-céus e fábricas, para pequenas e aparentemente isoladas aldeias no interior, o frágil sistema de saúde tem cedido sob o ataque.

Cidades e cidades ao longo do rio têm algumas das maiores mortes per capita do país — muitas vezes várias vezes a média nacional. Em Manaus, havia períodos em que cada ala covid estava cheia e 100 pessoas morriam por dia, empurrando a cidade para cortar novos cemitérios de mata grossa. Coveiros colocavam fileiras de caixões em longas trincheiras esculpidas na terra recém-transformada.

Descendo o rio, as redes se tornaram macas, levando os doentes de comunidades sem médicos para ambulâncias de barco que se acariciam através da água. Em áreas remotas da bacia hidrográfica, aviões medevac pousam em pequenas pistas de pouso cortadas na paisagem exuberante apenas para descobrir que seus pacientes morreram enquanto esperavam por ajuda.

O vírus está exigindo um pedágio especialmente alto sobre os povos indígenas, um paralelo com o passado. Desde 1500, ondas de exploradores percorreram o rio, buscando ouro, terra e convertidos — e mais tarde, a borracha, um recurso que ajudou a alimentar a Revolução Industrial, mudando o mundo. Mas com eles, esses forasteiros trouxeram violência e doenças como varíola e sarampo, matando milhões e exterminando comunidades inteiras.

"Este é um lugar que gerou tanta riqueza para os outros", disse Charles C. Mann, um jornalista que escreveu extensivamente sobre a história das Américas, "e veja o que está acontecendo com ele".

Os indígenas têm cerca de seis vezes mais chances de serem infectados pelo coronavírus do que os brancos, segundo o estudo brasileiro, e estão morrendo em aldeias distantes do rio intocadas pela eletricidade.

MESMO NOS MELHORES TEMPOS, a Amazônia estava entre as partes mais negligenciadas do país, um lugar onde a mão amiga do governo pode se sentir distante, mesmo inexistente.

Mas a capacidade da região de enfrentar o vírus tem sido ainda mais enfraquecida sob o presidente Jair Bolsonaro, cujas demissões públicas da epidemia têm sido, por vezes, em escárnio, embora ele tenha testado positivo.

O vírus surgiu no relógio desorganizado e sem brilho de seu governo, rasgando a nação. Desde seus primeiros dias no cargo, Bolsonaro deixou claro que proteger o bem-estar das comunidades indígenas não era sua prioridade, cortar seus financiamentos, reduzir suas proteções e incentivar invasões ilegais em seu território.

Para o forasteiro, a região densamente florestada ao longo do rio Amazonas parece impenetrável, desconectada do resto do mundo.

Mas esse isolamento é enganoso, disse Tatiana Schor, professora brasileira de geografia que vive de um dos afluentes do rio.

"Não existem comunidades isoladas na Amazônia", disse ela, "e o vírus mostrou isso".

Os barcos nos quais quase todos dependem , às vezes lotados com mais de 100 passageiros por muitos dias, estão por trás da propagação do vírus, dizem os pesquisadores. E mesmo que os governos locais tenham oficialmente limitado as viagens, as pessoas continuaram a levar para a água porque quase tudo - comida, remédios, até mesmo a viagem para a capital para pegar ajuda emergencial - depende do rio.

Pessoas doentes viajaram no rio para serem testadas para o vírus

Estudiosos há muito se referem à vida na Amazônia como uma "maneira anfíbia de ser".

A crise na Amazônia brasileira começou em Manaus, cidade de 2,2 milhões que saiu da floresta em uma erupção de concreto e vidro, afunilando em suas bordas a aglomerados de casas de madeira empoleiradas em palafitas, no alto da água.

Manaus, capital do Estado do Amazonas, é hoje uma potência industrial, um grande produtor de motocicletas, com muitos negócios estrangeiros. Está intimamente ligado ao resto do mundo — seu aeroporto internacional tem cerca de 250.000 passageiros por mês — e, através do rio, para grande parte da região amazônica.

O primeiro caso documentado de Manaus, confirmado em 13 de março, veio da Inglaterra. O paciente apresentava sintomas leves e estava em quarentena em casa, em uma parte mais rica da cidade, de acordo com as autoridades de saúde da cidade.

Logo, porém, o vírus parecia estar em toda parte.

"Não tínhamos mais leitos — nem mesmo poltronas", disse o Dr. Álvaro Queiroz, 26 anos, sobre os dias em que seu hospital público em Manaus estava completamente lotado. "As pessoas nunca pararam de vir."

Gertrude Ferreira Dos Santos morava na orla leste da cidade, em um bairro pressionado contra a água. Ela costumava dizer que sua coisa favorita no mundo era viajar o rio de barco. Com a brisa em seu rosto, ela disse, ela se sentiu livre.

Então, em maio, a Sra. dos Santos, 54 anos, adoeceu. Dias depois, ela chamou seus filhos para sua cama, fazendo-os prometer ficar juntos. Ela parecia saber que estava prestes a morrer.

Equipes funerárias trabalharam 24 horas por dia para recolher corpos, incluindo o da Sra. dos Santos

Muitas pessoas com sintomas do vírus preferem ficar em casa, com medo do hospital e de morrer sozinha

Houve tantas mortes em Manaus que a cidade cortou novos cemitérios de mata grossa

Eduany, 22 anos, sua filha mais nova, ficou com ela naquela noite. No início da manhã, quando Eduany se levantou para fazer uma pausa, sua irmã Elen, 28, implorou para ela voltar.

A mãe deles parou de respirar. As irmãs, em desespero, tentaram ressuscitação boca-a-boca. Às 6 da manhã, o sol nascendo sobre a cidade, a Sra. dos Santos morreu em seus braços.

Quando homens de terno branco de proteção chegaram mais tarde para levar seu corpo, as irmãs começaram a chorar.

A Sra. dos Santos tinha sido mãe solteira. A vida nem sempre foi fácil. Mas ela tinha mantido um senso de admiração, algo que suas filhas admiravam. "Em tudo o que ela fez", disse Elen, "ela estava alegre."

A certidão de óbito de sua mãe listou muitas condições subjacentes, incluindo problemas respiratórios de longa data, de acordo com as mulheres. Também listou insuficiência respiratória, um indicador chave de que uma pessoa morreu do coronavírus.

Mas suas filhas não acreditavam que ela era vítima da pandemia. Ela certamente tinha morrido de outras causas, disseram eles. Deus não teria lhe dado uma doença tão feia.

Ao longo do rio, as pessoas diziam coisas semelhantes uma e outra vez, relutantes em admitir um possível contágio, mesmo quando a saúde de seus irmãos e pais declinou. Muitos pareciam pensar que suas famílias seriam evitadas, que um diagnóstico de alguma forma mancharia uma vida digna.

Mas como esse estigma levou as pessoas a jogar para baixo sintomas do vírus por medo, os médicos disseram, a pandemia estava se espalhando rapidamente.

Depois de Manaus, o vírus viajou para leste e oeste, correndo para longe do centro de saúde da região.

Equipes médicas viajando para testar pessoas

Um centro comunitário foi transformado em uma clínica de ambulatório

Em lugares distantes da capital, suprimentos básicos, incluindo desinfetante, são enviados para dentro


EM MANACAPURU, a mais de uma hora da capital, Messias Nascimento Farias, 40 anos, levou a esposa doente até o carro e acelerou uma das poucas estradas rurais da região para encontrar a ambulância que poderia levá-la a um hospital.

Sua esposa, Sandra Machado Dutra, 36 anos, engasgou em seu caminhão.

"O Senhor é meu pastor, eu não quero", ele orou mais e mais até que ele a entregou aos profissionais de saúde. Eles tiveram sorte. Ela sobreviveu.

Mas para a maioria das pessoas que vivem ao longo do rio, a centenas de quilômetros de barco de Manaus, o caminho mais rápido para um grande hospital é de avião.

Mesmo antes do vírus chegar, pessoas em comunidades distantes com uma emergência com risco de vida poderiam fazer uma chamada frenética para uma ambulância de avião que os levaria a um hospital na capital.

Mas os aviões pequenos acabaram por ser perigosos para as pessoas com Covid-19, às vezes fazendo com que os níveis de oxigênio no sangue despenquem à medida que a aeronave subia. Muito poucos dos pacientes do transporte aéreo pareciam estar sobrevivendo, disseram os médicos.

Em vez disso, médicos e enfermeiros se viram levando seus pacientes para mortes dolorosas longe de tudo e de todos que amavam.

Numa manhã de maio, um avião branco pousou no aeroporto de Coari, a cerca de 300 km de Manaus.

Sandra Machado Dutra desmaiou antes de ser levantada em uma ambulância

A família de Felicindo Delgado, o fabricante de móveis, acenou adeus quando ele foi carregado em um avião em Coari

O voo afetou o Sr. Delgado


Na pista em uma maca estava o Sr. Delgado, 68 anos, o fabricante de móveis, descalço e mal respirando.

Dr. Daniel Sérgio Siqueira e uma enfermeira, Walci Frank, exaustos após semanas de trabalho constante, o carregaram para a pequena cabine. À medida que o avião subia, seus níveis de oxigênio começaram a cair.

A filha do Sr. Delgado, Isabel, recorreu ao médico em pânico. "Meu pai é muito forte", ela disse a ele. "Ele vai conseguir."

Quando os Delgados finalmente chegaram ao hospital em Manaus, Isabel ficou chocada com as cenas ao seu redor. Parentes desesperados ergueram entes queridos que haviam amassado sob o fardo da doença, apressando-os para o tratamento.

Ao mesmo tempo, os pacientes que tinham conseguido sobreviver a Covid-19 cambalearam para fora, para os braços alegres da família e amigos.

"Eu estava lá", disse ela, "rezando para que Deus salvasse meu pai."

Delgado morreu alguns dias depois. Quando Isabel descobriu, o médico começou a chorar com ela.

Ela não tinha dúvidas de que o rio que seu pai amava também lhe trouxe o vírus. Logo, ela e outros cinco membros da família também adoeceram.

Uma família em Manacapuru se reuniu para ouvir a avaliação de um médico

Um médico tratando uma paciente frágil em sua casa em Manacapuru

Algumas pessoas que ficaram doentes esperaram até ficarem muito fracas para ir ao hospital


QUANDO O CORONAVÍRUS CHEGOU ÀS AMÉRICAS, havia um medo generalizado de que isso levaria a um impacto devastador sobre as comunidades indígenas em toda a região.

Em muitos lugares ao longo do rio Amazonas, esses medos parecem estar se tornando realidade.

Pelo menos 570 indígenas no Brasil morreram da doença desde março, segundo uma associação que representa os indígenas do país. A grande maioria dessas mortes foram em lugares ligados ao rio.

Mais de 18.000 indígenas foram infectados. Líderes comunitários relataram aldeias inteiras confinadas às suas redes, lutando para se levantar até mesmo para alimentar seus filhos.

Em muitos casos, os próprios profissionais de saúde enviados para ajudá-los espalharam inadvertidamente o vírus.

No povoado ribeirinho de São José da Fortaleza, os parentes do chefe Iakonero Apurinã mandaram, um a um, que não podiam comer, que ouviam vozes,que estavam muito doentes para se levantar.

Logo, pareceu ao chefe que todos em sua comunidade estavam doentes.

As famílias de Apurinã sobreviveram a gerações de violência e trabalho forçado. O vírus os testou de novo.

O vírus atingiu durante a estação chuvosa, inchando as vias navegáveis

As balsas continuaram a cercar a região, com pessoas dormindo lado a lado por dias de cada vez


O chefe Apurinã, 54, disse que seu grupo de 35 famílias Apurinã sobreviveu a gerações de violência e trabalho forçado. Eles haviam chegado a São José da Fortaleza décadas atrás, acreditando que finalmente estariam seguros.

Foi o rio, disse o chefe, que os sustentou, alimentando, lavando e limpando espiritualmente.


Então a nova doença chegou, e o chefe estava transportando chás tradicionais de casa em casa. Logo veio sua própria tosse e exaustão. Um teste em Coari confirmou que ela havia pegado o vírus.

O Chefe Apurinã não culpou o rio. Ela culpou as pessoas que viajaram.

"O rio para nós é a purificação", disse ela. "É a coisa mais linda que existe."

Milagrosamente, ela disse que em meados de julho, nenhuma pessoa entre as 35 famílias havia morrido.

Em Tefé, cidade de 60 mil pessoas a quase 600 quilômetros ao longo do rio de Manaus, o vírus chegou com força de vendaval.

No pequeno hospital público, onde os funcionários inicialmente planejavam acomodar 12 pacientes, cerca de 50 lotaram a unidade improvisada Covid-19. Laura Crivellari, 31 anos, a única especialista em doenças infecciosas do hospital, os acolheu, fazendo o que pôde com dois respiradores, sem unidade de terapia intensiva, muitos colegas doentes — e ninguém para substituí-los.

Em um dos piores momentos, ela foi a única médica de plantão por dois dias, supervisionando dezenas de pacientes em estado crítico.

Os pacientes rapidamente sobrecarregaram a ala Covid-19 do hospital em Tefé

A morte constante em Tefé levou um médico ao ponto de ruptura

Aguardando sepultamento em Tefé

A morte constante levou o Dr. Crivellari ao seu ponto de ruptura. Alguns dias ela mal parava para comer ou beber.

Em casa, ela compartilhou sua angústia com seu parceiro. Ela estava pensando em desistir da medicina, ela disse. "Não posso continuar assim", ela disse a ele.

A pandemia tem sido brutal para os trabalhadores médicos em todo o mundo, e tem sido particularmente difícil para os médicos e enfermeiros que navegam pelas grandes distâncias, cortes frequentes de comunicação e escassez profunda de suprimentos ao longo da Amazônia.

Sem treinamento ou equipamento adequado, muitas enfermeiras e médicos ao longo do rio morreram. Outros infectaram suas famílias.

Crivellari sabia que sua cidade era vulnerável. São três dias de barco de Manaus a Tefé, com balsas muitas vezes transportando 150 pessoas por vez.

"Nosso medo era que uma pessoa infectada contaminasse todo o barco", disse ela, "e foi isso que acabou acontecendo."

No início de julho, as mortes diárias em Tefé estavam caindo, e o Dr. Crivellari começou a celebrar os pacientes que ela tinha conseguido salvar. Ela não pensa mais em largar a medicina.

Tefé, como um todo, teve um fôlego coletivo cauteloso.

O vírus, pelo menos por enquanto, tinha se mudado para um novo lugar no rio.

Cuidando do corpo de Gauldino da Silva. Com tantos morrendo em casa, não testados, o verdadeiro pedágio do vírus na região pode nunca ser conhecido






Fontes: Dados de casos do Ministério da Saúde do Brasil. Taxas de mortalidade por Brasil.io.